O modelo de transporte coletivo baseado em concessões para exploração privada
e cobrança de tarifa está esgotado. E continuará em crise enquanto o
deslocamento urbano seguir a lógica da mercadoria, oposta à noção de direito
fundamental para todas e todos.
Essa lógica, cujo norte é o lucro, leva as empresas, com a conivência do
poder público, a aumentar repetidamente as tarifas. O aumento faz com que mais
usuários do sistema deixem de usá-lo, e, com menos passageiros, as empresas
aplicam novos reajustes.
Isso é uma violência contra a maior parte da população, que como evidencia a
matéria publicada ontem pelo portal UOL, chega a deixar de se alimentar para
pagar a passagem. Calcula-se que são 37 milhões de brasileiros excluídos do
sistema de transporte por não ter como pagar. Esse número, já defasado, não
surgiu do nada: de 20 em 20 centavos, o transporte se tornou, de acordo com o
IBGE, o terceiro maior gasto da família brasileira, retirando da população o
direito de se locomover.
População que se desloca na maioria das vezes para trabalhar e que, no
entanto, paga quase sozinha essa conta, sem a contribuição dos setores que
verdadeiramente se beneficiam dos deslocamentos. Por isso defendemos a tarifa
zero, que nada mais é do que uma forma indireta de bancar os custos do sistema,
dividindo a conta entre todos, já que todos são beneficiados por ele.
Esse é o contexto que fez surgir o Movimento Passe Livre em diversas cidades
do Brasil. Por isso há anos estamos empenhando lutas por melhorias e por outro
paradigma de transporte coletivo. Neste momento, em que nos manifestamos em São
Paulo pela revogação do aumento nas passagens, milhares protestam no Rio de
Janeiro, além de Goiânia, onde a luta obteve vitória, assim como venceram os
manifestantes de Porto Alegre há dois meses.
O impacto violento do aumento no bolso da população faz as manifestações
extrapolarem os limites do próprio movimento. E as ações violentas da Polícia
Militar, acirrando os ânimos e provocando os manifestantes, levaram os protestos
a se transformar em uma revolta popular.
O prefeito Fernando Haddad, direto de Paris, ao lado do governador Geraldo
Alckmin, exige que o movimento assuma uma responsabilidade que não nos cabe. Não
somos nós os que assinam os contratos e determinamos os custos do transporte
repassados aos mais pobres. Não somos nós que afirmamos que o aumento está
abaixo da inflação sem considerar que, de 1994 para cá, com uma inflação
acumulada em 332%, a tarifa deveria custar R$ 2,16 e o metrô, R$ 2,59.
Além disso, perguntamos: e os salários da maior parte da população,
acompanharam a inflação?
A discrepância entre o custo do sistema e o quanto, como e quando se cobra
por ele evidenciam que as decisões devem estar no campo político, não técnico. É
uma questão de escolha: se nossa sociedade decidir que sim, o transporte é um
direito e deve estar disponível a todos, sem distinção ou tarifa, então ela
achará meios para tal. Isso parcialmente foi feito com a saúde e a educação. Mas
sem transporte público, o cidadão vê seu acesso a essas áreas fundamentais
limitado. Alguém acharia certo um aluno pagar uma tarifa qualquer antes de
entrar em sala de aula? Ou para ser atendido em um posto de saúde?
Haddad não pode fugir de sua responsabilidade e se esconder atrás do bilhete
mensal, proposta que beneficiará poucos usuários e aumentará em mais de 50% o
subsídio que poderia ser revertido para reduzir a tarifa.
A demanda popular imediata é a revogação do aumento, e é nesses termos que
qualquer diálogo deve ser estabelecido. A população já conquistou a revogação do
aumento da tarifa em Natal, Porto Alegre e Goiânia. Falta São Paulo.
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