Brasil deixou de ser unanimidade após desaquecimento
Até 2011, a imprensa e mercados internacionais pareciam tomados
por um grande entusiasmo em relação ao crescimento brasileiro. "O Brasil
decola", anunciou em 2009 a revista britânica
The Economist,
fazendo um diagnóstico que, à época, parecia ser unanimidade.
A recente polêmica aberta em um artigo da mesma
Economist chamava a
economia brasileira de "criatura moribunda" - e anunciava: "O Brasil despenca" -
dá a medida de como o clima mudou em relação ao País em 2012.
' Este foi o ano em que passamos de uma 'brasilmania' - um
grande entusiasmo no exterior em relação ao Brasil - para uma visão mais
realista e cética sobre o potencial do País. Agora, na imprensa e entre os
mercados e investidores há muita incerteza sobre os rumos que a economia
brasileira tomará a partir de 2013", disse à BBC Brasil Marcos Troyjo, diretor
do BRICLab da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Entre as causas centrais da mudança está a desaceleração econômica dos
últimos dois anos. De 2004 a 2010 o PIB brasileiro cresceu a uma média de 4,5%,
alcançando, em 2010, os 7,5% que encheram os olhos dos mercados e
investidores.
A expansão mais modesta do ano passado - de 2,7% - foi interpretada por
analistas como um ajuste sobre o ano anterior, em que o PIB havia crescido mais
que seu "potencial" estimado, de 4%.
O que explica, então, a alta de apenas 1% esperada para 2012? Ou o que freou
tão bruscamente o crescimento brasileiro - em um contexto em que, ainda por
cima, o desemprego está historicamente baixo?
Em um momento em que o governo brasileiro se esforça para garantir que o país
retome o crescimento acelerado - com mudanças no câmbio, pacotes de incentivo
fiscal e queda dos juros - economistas estrangeiros e brasileiros de prestígio
responderam essa questão para a BBC Brasil e opinaram sobre o que é preciso para
a economia voltar a alçar vôo em 2013.
Consensos e divergências
Alguns pontos parecem consensuais. Por exemplo, os baixos níveis de
investimento são apontados como fator central do desaquecimento.
Como alguns analistas ressaltam, o aumento dos gastos do governo e a expansão
da classe média brasileira impulsionaram o consumo nos últimos anos - mas os
empresários não têm investido o suficiente, criando uma insuficiência de
oferta.
No Brasil, o nível de investimento ronda os 18% do PIB, contra quase 50% da
China e pouco mais de 30% da Índia. No Peru, Chile e Colômbia a taxa ronda os
25%.
Apesar de aumento no consumo, empresários brasileiros
investiram pouco
A sobrevalorização do real, que mina a competitividade dos produtos
brasileiros no mercado internacional, e problemas estruturais, como excesso de
burocracia, gargalos de infra-estrutura e falta de investimento em educação e na
formação de mão-de-obra também são apontados como freios do crescimento em 2012,
além do acirramento da crise global e desaquecimento da China.
O governo está tentando atacar alguns desses entraves com medidas como cortes
dos juros (para 7,25%) e a queda do real. "Mas tal ajuste só terá resultados no
médio e longo prazo, porque os empresários levam tempo para refazer seus
planos", diz Antônio Prado, da CEPAL.
Entre as diferenças de pontos de vista dos entrevistados algumas se referem
às causas do desaquecimento. Por exemplo, um grupo atribui mais peso a fatores
externos, enquanto outros veem exagero no cálculo do contágio.
Há também uma ampla variação nas receitas para o crescimento. Alguns defendem
mais abertura e menos intervenção. Outros pedem políticas industriais mais
ambiciosas. Confira algumas dessas propostas abaixo:
Jim O'Neill - Reformas microeconômicas
Economista da Goldman Sachs, criador do termo BRIC
É importante entender que a taxa de crescimento anual do Brasil é bastante
volátil. Na década em que a média de crescimento chegou perto dos 4% houve 3
anos em que a expansão do PIB ficou abaixo dos 2%.
JIm O'Neill é otimista sobre retomada do crescimento em
2013
O Brasil desacelerou por dois motivos em 2011 e 2012. Primeiro, a redução do
crescimento da China e dos preços de algumas commodities. Segundo, a
sobrevalorização do real, que complicou o desafio do Brasil para ganhar
competitividade. Mas no último trimestre, não fosse por uma estranha queda no
setor financeiro, o crescimento anualizado seria de 4%, então acho que será mais
forte a partir de agora.
Para assegurar um crescimento igual ou maior que 4%, o Brasil precisa de
melhores condições financeiras (evitando uma nova valorização do real) e
reformas focadas no lado da oferta. A macroeconômia tem ido na direção certa,
mas é preciso mais reformas microeconômicas.
Michael Reid - Menos burocracia e arbitrariedade
Editor para América Latina da The Economist
É verdade que o ambiente externo tem sido um desafio. Mas com que países o
Brasil quer se comparar? Com a Europa? Basta olhar para a América Latina e os
BRICs para ver que o desempenho recente do Brasil é pobre.
Michael Reid
"Com que países o Brasil quer se comparar? Com
a Europa? Basta olhar para a América Latina e os BRICs para ver que o desempenho
recente do Brasil é pobre."
Alguns motores do crescimento de 2004-10 enfraqueceram. As commodities já não
estão subindo e os consumidores precisam pagar suas dívidas. O Brasil se
trancafiou em um bloco comercial protecionista e de baixo crescimento - o
Mercosul, e fez pouco para abrir novos mercados. Mas o que mais decepciona é a
queda dos investimentos. O setor público não tem melhorado a execução de
projetos e investidores privados parecem estar preocupados com o risco de
mudanças regulatórias ou de políticas.
Outros países latino-americanos acabaram com uma burocracia estúpida que
dificultava a vida das empresas. Por que o Brasil não faz o mesmo? Como a
presidência já reconheceu, mobilizar investidores privados em projetos de
infra-estrutura é crucial. Mas o governo precisa ser mais consistente ao atrair
investidores, oferecendo a eles uma taxa de retorno razoável.
Simplificar a estrutura tributária brasileira e reformar leis trabalhistas
leva tempo, mas o governo poderia anunciar planos claros para lidar com essas
questões.
Marcos Troyjo - Novo modelo de crescimento
Diretor do BRICLab da Universidade de Columbia
Há exagero na avaliação do peso dos fatores externos sobre o desaquecimento
brasileiro. O Brasil é uma economia relativamente fechada. As exportações
representam 10% do PIB e o peso da China é de 2%. Por isso, o efeito direto do
desaquecimento chinês é mais limitado do que muitos acreditam, embora haja
também o efeito indireto, relacionado a uma mudança de expectativas.
Para Troyjo, Brasil precisa de reformas
estruturais
Houve no Brasil um problema de oferta. O País cresceu recentemente com um
modelo focado nos altos índices de consumo e gastos do governo. Isso gera
crescimento de curto prazo, mas não desenvolvimento. Para crescer mais de 4%, o
Brasil precisa investir 23% do PIB no mínimo.
A queda dos juros foi bem-vinda, mas ainda é preciso fazer reformas
estruturais: reduzir a burocracia para a abertura de negócios e os gargalos de
infra-estrutura; investir mais em inovação e formação de mão de obra.
Antonio Prado - Política Industrial efetiva
Secretário-executivo adjunto da CEPAL
Houve uma queda muito importante do nível de atividade da indústria - em
parte por causa da sobrevalorização do real, que barateou as importações e
desestimuliou a produção local. Isso levou a uma inconsistência entre a política
industrial e política macroeconômica.
Por isso, mudança na taxa de câmbio e de juros era necessária, mas deve
demorar para mostrar resultados. Empresas que já tinham contratos de compras de
insumos e dívida em dólar devem ser prejudicadas no curto prazo com a
desvalorização, mas no médio e longo prazo o Brasil ganha competitividade.
O País já está fazendo um esforço grande para levar adiante mudanças
estruturais e deve continuar nesse caminho. . Medidas como o controle de fluxos
especulativos financeiros também são importantes.
Pablo Fajnzylber - Parcerias público-privadas
Principal economista do Banco Mundial para o Brasil
Antonio Prado
"O Brasil precisa estimular o desenvolvimento
de novos setores e setores de alta tecnologia"
Após crescer 0% em 2009, o Brasil implementou um política fiscal e monetária
anticíclica que lhe permitiu crescer 7,5% em 2010. Mas pressões inflacionárias
levaram a um aperto da política monetária até agosto de 2011, quando incertezas
globais motivaram um novo ciclo de estímulo.
O impacto desse afrouxamento precisa de tempo para se materializar. A parcela
das rendas familiares comprometida com dívidas está alta. O investimento
continua baixo refletindo uma incerteza sobre o cenário global e doméstico. Além
disso, muitas indústrias sofrem com custos elevados de mão de obra.
No longo prazo, é preciso elevar o PIB potencial do país. A produtividade e o
nível de investimento precisam subir. O setor público deve concentrar
investimento em atividades que aumentam a produtividade do setor privado, como
educação e infra-estrutura, continuando a fazer parcerias com o setor privado em
áreas em que o último tem vantagens comparativa como transportes.
Edward C. Prescott - Mais competição e abertura
Prêmio Nobel de Economia
O sistema político deve estar bloqueando mudanças e tomando medidas para
manter o status quo. É preciso fazer mudanças para progredir, mas ao que parece
a nova presidente não é tão habilidosa como Luiz Inácio Lula da Silva, que foi
capaz de manter o apoio dos brasileiros permitindo uma mudança.
Industria brasileira reclama de real forte
O Brasil precisa criar um ambiente em que grupos de brasileiros talentosos
possam se juntar e levar adiante iniciativas empreendedoras. Mais competição
entre os Estados e mais abertura para o resto do mundo poderia ajudar nesse
processo.
Luiz Carlos Bresser-Pereira - Política cambial
eficiente
Ex-ministro da Fazenda
A economia brasileira está crescendo menos que o esperado principalmente
devido à grande apreciação cambial que ainda subsiste. Os anos 2000, como os
anos 90, foram marcados pela tendência à sobrevalorização crônica e cíclica da
taxa de câmbio. O dólar caiu de R$ 3,95 em 2003 para R$ 1,65 em 2010.
Com isso, as indústrias deixaram de exportar. Elas sobreviveram graças à
política distributiva do governo, que aumentou o mercado interno e explica as
taxas de crescimento do segundo mandato de Lula. Mas com o tempo, seu mercado
foi capturado por manufaturados estrangeiros.
O essencial agora é continuar a depreciar o real até que ele chegue ao nível
de "equilíbrio industrial", de R$ 2,70 por dólar, que torna competitivas as
empresas brasileiras de manufaturados. Para exportadores das commodities, que
originam a "doença holandesa" (sobrevalorização da moeda de países com recursos
naturais abundantes), R$ 2,00 por dólar está bom.
Fonte:
Ruth Costas
Da BBC Brasil em Londres