quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Suplicy traiu o PT? Ou o PT traiu Suplicy?

Passei quatro horas com o senador, levei uma multa de trânsito e tirei a dúvida

ONTEM E HOJE Suplicy enfrenta radicais de esquerda que erram até ao grafar o nome da dissidente cubana como “Yaoni”. Se ele defendeu a liberdade de expressão de Lula, por que não a dela? (Foto: Mário Bittencourt/Bapress/Folhapress)
"Traidor, traidor, saia do PT, rapaz", gritava um manifestante para o senador Eduardo Suplicy na noite da terça-feira, 19 de fevereiro. A frase foi ouvida durante um protesto contra a visita da cubana Yoani Sánchez ao Brasil. “Sempre argumentei que nós, do PT, defendemos a liberdade de expressão. Defendi a liberdade do próprio Lula de se expressar durante a ditadura militar. Continuo a defender essa proposta com toda força”, diz Suplicy, de 71 anos, único petista a prestigiar a visita de Yoani ao Congresso brasileiro.
Não é apenas a banda intolerante do PT que quer se livrar de Suplicy. Altos dirigentes do partido também querem rifá-lo, impedindo que se candidate à reeleição ao Senado em 2014. Segundo apurou ÉPOCA, eles planejam dar sua vaga a uma sigla aliada em troca de apoio político. Suplicy contraria a linha justa do partido e, para justificar, cita Lula. Essa lógica aparentemente paradoxal – considerada “amalucada” por alguns de seus colegas de partido – deixa uma questão no ar: Suplicy está mesmo traindo o PT? Ou é o PT quem está traindo Suplicy?
“Em qual tom vou cantar? Não sei, mas posso perguntar para minha professora de piano”
Para tentar responder a essa pergunta, vou até a casa de Suplicy, em São Paulo. Ao estacionar na frente do imóvel, tomo a precaução de preencher três guias de estacionamento, cada uma dando direito a uma hora. Logo na primeira pergunta, percebo que meu carro está sob risco. “O senhor está confortável no PT?” Suplicy hesita alguns segundos antes de dizer: “Vamos começar pelos anos 1970”. E inicia a narrativa de como ingressou na vida pública. Fala de suas candidaturas derrotadas nos anos 1980 – quando usava o slogan “Experimente Suplicy” – e de sua longa trajetória no Senado. Espremido, no escritório do sobrado que divide com o filho João, entre obras clássicas do pensamento de esquerda e biografias da cantora Maysa e do ex-presidente americano Bill Clinton.
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Suplicy é interrompido pelo telefone celular. “Em qual tom vou cantar? Não sei, mas posso perguntar para minha professora de piano”, diz ele. Depois de desligar, continua: “Estou estudando música”. E aponta para o piano de armário, localizado no fundo de uma sala contígua ao escritório. Sobre o instrumento, um porta-retratos em que ele aparece ao lado da namorada, Mônica Dallari. De volta à política, Suplicy relembra sua atuação na CPI dos Anões do Orçamento, em 1993. Dando um salto no tempo, vai direto para 2005, ano em que explodiu o escândalo do mensalão. Na ocasião, a direção nacional do PT proibiu seus parlamentares de assinar a CPI que investigaria o uso de dinheiro público para compra de apoio no Congresso. “Como eu me negaria a assinar a criação de uma CPI se eu tinha ajudado a criar outras que o partido apoiava?” Foi soldado do PT quando combateu Paulo Maluf na campanha pela prefeitura de São Paulo, em 1992. Maluf era considerado, na ocasião, o inimigo número um das esquerdas. Suplicy, já senador, foi para o sacrifício, candidatou-se e perdeu. No ano passado, Maluf e Lula se deixaram fotografar sorridentes ao lado de Fernando Haddad na campanha deste último a prefeito de São Paulo. Suplicy, apesar de convidado, não participou do evento eleitoral.
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O celular toca de novo. “O Mano Brown confirmou a presença? Muito boa notícia”, diz ele. O rapper, líder do grupo Racionais MC’s, participaria de um show em prol da Renda Básica de Cidadania. A menção ao programa, quase uma razão de viver de Suplicy, dá início a uma longa explanação sobre a importância da renda mínima. “Você conhece o poema ‘Triste partida’, de Patativa do Assaré?”, diz ele. E começa a declamar os 152 versos para ilustrar seu raciocínio. Penso novamente no meu carro e no temporal que começa a se formar.
Antes que a chuva desabe, resolvo ir direto ao ponto. “O senhor sabe que será difícil conseguir ser candidato, não é?” “Em alguns momentos, posso ter causado preocupações ao PT, mas acho que isso está resolvido”, diz Suplicy. Encerramos a conversa porque o senador tem um compromisso no início da noite numa livraria. Ao chegar a meu carro, encontro uma multa afixada no para-brisa: “Validade do cartão excedida”. É a prova de que Suplicy, famoso pela fala mansa e pausada, mudou pouco ou quase nada nas três últimas décadas. Já o PT...
Compasso e descompasso (Foto: Reprodução/Revista ÉPOCA)
 
Fonte: Época

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