domingo, 24 de fevereiro de 2013

Fiocruz: projeto de construção de casas em Manguinhos é inviável

Pesquisa diz que terreno de refinaria é barril de pólvora e desaconselha planos do estado


A dona de casa Mary Raquel Rocha diz que o forte odor e a fuligem são problemas trazidos pela empresa vizinha
Foto: Custódio Coimbra / O Globo
A dona de casa Mary Raquel Rocha diz que o forte odor e a fuligem são problemas trazidos pela empresa vizinhaCustódio Coimbra / O Globo
RIO — A descontaminação do terreno da Refinaria de Petróleo de Manguinhos para uso habitacional é uma meta inatingível. O alerta, uma ducha de água fria nas pretensões do governo do estado, vem de recente pesquisa do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). De acordo com a engenheira química e pesquisadora Rosália Maria de Oliveira, coordenadora do estudo, já foi detectada na área a presença de poluentes acima dos parâmetros toleráveis para um empreendimento residencial. O que significa colocar centenas de pessoas em risco.

Não há como mensurar o custo de remediação da área. O terreno concentra contaminantes gravíssimos, e não há um caso sequer no mundo em que tenha havido construção de casas numa refinaria. Esperamos que o governo não faça a maldade e a insensatez de colocar pessoas morando numa bomba-relógio — afirma Rosália.
Crianças contaminadas por chumbo
Embora as análises conclusivas só fiquem prontas em 2014, a equipe responsável pelo Diagnóstico Socioambiental de Manguinhos já tem elementos para sugerir ao governador Sérgio Cabral que abandone o plano de erguer unidades residenciais no terreno de 500 mil metros quadrados. O anúncio do futuro bairro-modelo, com apartamentos, áreas de lazer, escolas e postos de saúde na área da refinaria de Manguinhos foi feito pelo governador há exatos quatro meses, logo após a ocupação das favelas da região pela Polícia Militar.
De 2011 a outubro de 2012, foram coletadas amostras superficiais de solo em 81 pontos de 15 favelas do Complexo de Manguinhos. Os resultados preliminares apontam concentração elevada de elementos carcinogênicos (causadores de diversos tipos de câncer) e biocumulativos, ou seja, incapazes de serem eliminados pelo organismo. Os pesquisadores ressaltam que os poluentes são de origens diversas, e que o próprio tráfego de veículos da região libera esses compostos.
— As análises estão começando a ser feitas, mas já detectamos poluentes típicos de regiões com atividade de refino e estoque de petróleo. Chumbo e cádmio já estão com concentrações acima do recomendado para empreendimento residencial, em análise feita em um único ponto de coleta. O mesmo acontece com hidrocarbonetos. Há também benzenos e toluenos, associados ao desenvolvimento de câncer de diversos tipos, e efeitos nocivos a médio e longo prazos. Para ser usada futuramente como área residencial, ela deveria ter concentrações residuais extremamente baixas. O terreno de Manguinhos é argiloso, acumula poluentes. O governo vai gastar um dinheiro infindável (para descontaminar)? É inviável — afirma Rosália.
Historiador e também coordenador da pesquisa da ENSP/Fiocruz, Paulo Roberto Bruno acrescenta que os pesquisadores já detectaram contaminação por chumbo em 5% das crianças do Parque João Goulart, uma das favelas do complexo. O diagnóstico foi feito pelo Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP, em 2010.
— A região tem uma série de passivos ambientais de anos e anos que não se resolvem de uma hora para a outra. Nosso objetivo é suscitar discussão, levar informações aos moradores. Esperamos ao menos que o estado tenha a sensatez de não construir nada ali na refinaria — diz.
A inadequação da área para empreendimentos residenciais é característica já conhecida pelos órgãos públicos. Um relatório da prefeitura elaborado em 2004 já apontava fatores de restrição à ocupação de Manguinhos: os riscos de alagamentos provocados pelos rios Jacaré, Faria-Timbó e pelo próprio Canal do Cunha; a linha de transmissão de alta tensão; o domínio das linhas férreas e as adutoras que cortam a comunidade.


Veja também

Fonte: O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário