sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Na Zona Oeste, ônibus escolar é mantido ao custo de R$ 66 milhões por ano

Valor para atender 10% dos estudantes da rede municipal é maior que o repasse previsto para todos os alunos, inclusive os da Zona Oeste
Licitação de 2010 não conseguiu eliminar o problema da oferta reduzida de ônibus na região
Coletivo do projeto Ônibus da Liberdade: os veículos, em 44 linhas, transportam estudantes de 238 escolas na Zona Oeste Guillermo Giansanti / Agência O Globo
RIO - A licitação realizada pela prefeitura para reorganizar os ônibus do Rio não conseguiu eliminar um dos principais problemas existentes antes da concorrência de 2010: a oferta reduzida de coletivos na Zona Oeste. O problema obriga o município a manter o Ônibus da Liberdade, sistema paralelo exclusivo para transportar alunos da rede municipal na chamada Área de Planejamento (AP) 5, que reúne os bairros da região, com exceção de Barra, Recreio e Jacarepaguá. No entanto, os contratos de concessão já exigem que as frotas sejam dimensionadas para atender toda a população. A conta do transporte escolar chega a mais de R$ 110 milhões por ano e, na prática, o município paga duas vezes pelo serviço.


Proporcionalmente, o Ônibus da Liberdade é mais caro que as linhas tradicionais. Para atender 64 mil alunos - quase 10% dos estudantes da rede pública -, o município prevê que gastará R$ 66 milhões este ano. Desse total, R$ 45 milhões já foram pagos até agora a três empresas de fretamento, segundo o site Transparência Carioca, de acompanhamento orçamentário da prefeitura. Mas, para que todos os 683 mil estudantes da rede municipal - incluindo os beneficiados pelo Ônibus da Liberdade - usem as as linhas comuns, o município prevê um repasse de R$ 55 milhões até o fim do ano letivo para o Rio Ônibus (sindicato das empresas), para cobrir as gratuidades.

Segundo o Transparência Carioca, as três empresas de transporte escolar (Transriver, Real Brasil e Unifrete) já receberam cerca de R$ 240 milhões da Secretaria municipal de Educação desde 2008. Os valores repassados a essas prestadoras vêm aumentando, bem como a sua área de atuação (mais escolas têm sido atendidas ao longo dos anos). Em 2008, essas empresas receberam cerca de R$ 27 milhões.

Serviço é feito por 250 coletivos

A empresa que mais recebeu recursos foi a Transriver: cerca de R$ 120 milhões em seis anos. Ela é mais um exemplo da intricada relação existente entre as companhias de transporte na cidade. Entre os acionistas da Transriver, há parentes do empresário Jacob Barata, conhecido como o “Rei dos Ônibus”. Na Zona Oeste, a família também é sócia da Viação Jabour.

- A situação em si é absurda: ter um serviço paralelo ao sistema tradicional. Mesmo que não seja ilegal, um caso desses, do mesmo grupo empresarial estar presente nos dois serviços, revela uma situação promíscua. Pode haver conflitos de interesses entre empresas distintas - diz Gil Castelo Branco, diretor da ONG Contas Abertas, especializada em gestão pública.

Ao todo, 250 ônibus fazem 44 linhas, que cobrem 238 escolas. O GLOBO constatou que boa parte desses veículos percorre corredores viários já cobertos pelos coletivos comuns.

O projeto foi criado pelo ex-prefeito Cesar Maia na década passada e tem algumas diferenças em relação às linhas tradicionais. Todos os veículos têm um monitor, e a criança pode viajar acompanhada de um adulto, que não paga passagem — mas a maioria vai sozinha mesmo, como constatou O GLOBO. Segundo a Secretaria de Educação, 18.171 pais usam o serviço diariamente.

- O Ônibus da Liberdade continua a ser indispensável na Zona Oeste, porque o poder público não exige que as concessionárias que venceram a licitação invistam como deveriam. Por causa disso, da omissão do próprio poder público em relação ao sistema tradicional, não dá para dispensar o serviço - reclama o vereador Paulo Messina (PV), membro da Comissão de Educação da Câmara.

A vereadora Tereza Bergher (PSDB) também faz críticas ao modelo:

- Na Zona Oeste, quando se trata de ônibus, tudo é confuso e absurdo. Como pode a prefeitura pagar duas vezes pelo mesmo serviço? O próprio Tribunal de Contas do Município (TCM) tem pedido esclarecimentos sobre como é feita a prestação de contas do ressarcimento de gratuidades com o Rio Ônibus.

Alunos e pais reclamam de outros problemas. O convênio com o Rio Ônibus para o ressarcimento de gratuidades previu a instalação, nos colégios, de equipamentos para o controle de frequência dos estudantes. Eles passam o RioCard Escolar nos aparelhos e recebem créditos para viajar nos coletivos das linhas tradicionais. Nem sempre, no entanto, segundo as queixas, os créditos são liberados. Nesses casos, dizem os pais, os cartões têm que ser registrados, em postos do RioCard, como sendo de uso exclusivo dos alunos. Mas, de acordo com as reclamações, nem sempre o cadastramento funciona, e os estudantes acabam tendo que pagar a passagem.

- Os pais gostam do ônibus da Liberdade e querem que ele seja mantido, por ser uma garantia de viajar de graça. O problema é que os Ônibus da Liberdade não circulam durante todo o horário escolar (e sim nos horários de entrada e saída). Se o estudante precisar chegar mais tarde, tem que pegar ônibus de linha, que são poucos e circulam lotados. E, como não tive tempo de registrar o cartão da minha filha, quando ela precisa chegar mais tarde na escola tem que pagar a passagem - contou a professora Márcia Pereira, de 40 anos, moradora do Conjunto João XXIII, em Santa Cruz.

A pedido do GLOBO, Karla, de 11 anos, filha de Márcia, fez um teste. Ela tentou embarcar em dois ônibus de linha, mas precisou descer porque seu RioCard Escolar não tinha créditos registrados. O caso dela é bastante comum.

Secretaria admite que demanda não é atendida

A Secretaria municipal de Transportes admitiu, em nota, que o sistema licitado em 2010 não foi redimensionado para atender à demanda dos estudantes. Segundo o órgão, o Ônibus da Liberdade foi mantido para “garantir o atendimento e o conforto aos estudantes moradores de locais com baixa densidade populacional”. Apesar de haver casos em que alunos também precisam fazer baldeações com os ônibus do projeto, a secretaria alegou que as linhas regulares existentes na região não contemplam a ligação direta com as escolas.

Sobre as reclamações de que os Ônibus da Liberdade não circulam durante todo o horário escolar, a secretaria disse que o serviço tem viagens a intervalos que atendem às necessidades de deslocamento dos estudantes.

Segundo a Secretaria municipal de Educação, apesar de o convênio não prever limites para o transporte diário de alunos da rede municipal, apenas 115 mil usariam o RioCard Escolar diariamente. O órgão também informou que os créditos não usados pelos estudantes não são embolsados pelas empresas após determinado prazo, como acontece com o cartão comum.

Apesar de pais e alunos reclamarem da dificuldade de validar os cartões (para controlar a frequência dos estudantes e obter créditos), a Secretaria de Educação afirma que a operação é feita nas próprias escolas. Mas reconheceu que a prática ainda não é diária. “O hábito de passar o cartão nos validadores, em particular pelos alunos que fazem uso do transporte, ainda não é executado todos os dias. As escolas têm desenvolvido projetos com a finalidade de consolidar o hábito no aluno”, diz a nota. O órgão informou ainda que já há planos de expandir o Ônibus da Liberdade para a Escola Municipal Frei Gaspar, em Vargem Grande.

Fonte: O Globo

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