segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Asilos públicos no Rio são insuficientes para seus idosos

Segundo mais velho do país, Estado tem 30% dos idosos internados em emergências


Lellis, de 99 anos, vive no Abrigo Cristo Redentor há mais de 15 anos e já não tem qualquer vínculo familiar. Agora, espera festejar seu centenário em 2013
Foto: Laura Marques
Lellis, de 99 anos, vive no Abrigo Cristo Redentor há mais de 15 anos e já não tem qualquer vínculo familiar. Agora, espera festejar seu centenário em 2013Laura Marques
RIO - O envelhecimento da população do Estado do Rio não vem sendo acompanhado — no mesmo ritmo acelerado — pela implantação de políticas públicas que preparem sua estrutura assistencial para cuidar dos idosos. O segundo estado mais velho do país, que tem 2.080.608 habitantes com mais de 60 anos (13% da população), segundo o Censo 2010 do IBGE, carece de uma rede de apoio às unidades de saúde, oferecendo serviços como recuperação no pós-operatório, e já não consegue atender à atual demanda por vagas em asilos públicos, chamados hoje de instituições de longa permanência para idosos (ILPI). No total, há apenas 17 asilos públicos (entre próprios e conveniados), número que está longe de atender à demanda. O déficit preciso, no entanto, só será conhecido em 2013, quando a Secretaria estadual de Assistência Social concluir um estudo em andamento.
A escassez de instituições de apoio às unidades de saúde fica ainda mais evidente quando se observa, por exemplo, o número de pacientes com mais de 60 anos que são internados nos hospitais. Só nas quatro principais emergências municipais da capital (Salgado Filho, Miguel Couto, Lourenço Jorge e Souza Aguiar), existem atualmente 372 idosos, ou cerca de 30% do total de doentes. É o que revela um levantamento da Secretaria municipal de Saúde.
Um outro problema nos hospitais públicos é que, muitas vezes, os pacientes da terceira idade, mesmo com alta, não têm para onde ir. Rejeitados por suas famílias ou sem parentes próximos, eles permanecem nas unidades ocupando os chamados leitos sociais. No Hospital Estadual Eduardo Rabello, em Campo Grande, há dez casos desse tipo.
— Nos casos de abandono familiar, o serviço social faz uma busca pelos parentes. Além disso, há todo um trabalho de convencimento da família para que receba esse paciente de volta. Também recorremos ao Ministério Público para que esse idoso seja recebido em abrigos — disse o diretor da unidade, Edson Nunes.
Por mês, 80 pedidos de vagas em asilos
Ontem, na primeiro dia da série “Retratos da terceira idade”, O GLOBO mostrou que os idosos estão cada vez mais presentes no mercado de trabalho e já respondem pelo sustento de 25% dos lares no estado. A realidade de outros idosos, no entanto, é muito diferente. O Ministério Público estadual, que constantemente recebe pedidos de abrigamento e denúncias de maus-tratos e abandono, cita a incapacidade do município de abrigar idosos dependentes (que necessitam de ajuda para tarefas básicas). Antes de ser levado para uma instituição pela prefeitura, o idoso tem seu caso analisado pela Central de Regulação de Vagas Carlos Portela. A secretária municipal de Assistência Social, Fátima Nascimento, diz que chegam cerca de 80 casos por mês à central:
— Desse total, 30% têm família e não precisam ser institucionalizados.
Segundo a 3ª Promotoria de Proteção ao Idoso e às Pessoas Portadoras de Deficiência da capital, o funcionamento da central é problemático. A promotoria informou ainda que o município, em 2011, abriu vagas apenas para idosos independentes e, assim, continuou sem atender à demanda.
A promotora Cristiane Branquinho, coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias do Idoso e Deficiente, diz que há um número razoável de instituições na cidade (são 255), mas faltam unidades públicas. A rede da prefeitura conta com 12: seis próprias e seis conveniadas. Já o estado tem convênio com quatro ILPIs e administra o Abrigo Cristo Redentor, em Bonsucesso, que é do Ministério do Desenvolvimento Social.
— Há grande dificuldade de conseguir vagas para os idosos em situação de risco. É no Cristo Redentor que conseguimos o maior número de vagas — diz a promotora.
Foi para lá que, em agosto, o MP mandou Leonora Amar Rousseau, de 96 anos, cuja foto no leito de um hospital em Laranjeiras caiu nas redes sociais, tornando seu drama conhecido. O problema é que o abrigo está no limite. Sua diretora, Ana Sílvia Vasconcelos, tem hoje 267 residentes, em cinco pavilhões. Ela quer reduzir o número para 250, mas não consegue, diante de tantos pedidos. O custo mensal de um idoso dependente no abrigo varia entre R$ 2,1 mil e R$ 2,8 mil.
— Para essa parcela da população que tende a aumentar cada vez mais, temos urgência em aparelhar a rede de apoio, com unidades de saúde para reabilitação (como recuperação no pós-operatório), e unidades híbridas de assistência e saúde. O que sinto é que as autoridades ainda não acordaram para a urgência desse atendimento, com a implantação dos serviços que atendam às várias modalidades de acolhimento: asilos, centros-dia (espaço de convivência onde os idosos passam apenas o dia, fazendo atividades como aulas de música), repúblicas — diz Ana Sílvia.
A deputada estadual Claise Zito (PSD), presidente da Comissão dos Assuntos da Criança, do Adolescente e do Idoso da Alerj, apresentou uma indicação legislativa ao governador Sérgio Cabral, pedindo a criação de centros-dia. Só existem três hoje na rede estadual. A prefeitura tem seis espaços do mesmo tipo, que chama de centros de convivência e lazer.
— O melhor é que esse centro não desfaz o vínculo familiar — defende.
Muitos dos residentes do Cristo Redentor não têm esse vínculo, como Lellis Faria Selasco, de 99 anos. A idosa foi viver lá há mais de 15 anos, com um filho deficiente físico, que já morreu. Muito lúcida e recuperada do tombo que quebrou seu fêmur, Lellis já pensa na festa de 100 anos prometida para o ano que vem:
— Teve festa aos 99 e vai ter aos 100 anos também.

Fonte: O Globo

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