domingo, 1 de dezembro de 2013


O Rio de Janeiro, infelizmente, não pode ser considerada uma cidade exemplo de sustentabilidade. O prefeito Eduardo Paes (PMDB), no entanto, será o próximo presidente do grupo de Grandes Cidades para Liderança do Clima-C40, na gestão de 2014 a 2017. Ao ocupar o cargo, Paes dará à cidade uma imagem perante outras cidades que não condiz com sua real situação. Em um Raio X atualizado da cidade, ambientalistas concluem que o Rio não tem o perfil "exemplar" para ter seu administrador ocupando esse cargo. O novo posto de Paes causará uma exposição internacional perigosa, às vésperas dos megaeventos mundiais.

Dois dias antes de Eduardo Paes viajar para a cidade americana de Manhattan, onde aconteceu o encontro do C40, ele foi surpreendido com um alerta disparado pelo consulado norte-americano no Rio, na sexta-feira (22/11), sobre o aumento da violência na orla carioca. Mas os constrangimentos não terminaram nesse episódio. No dia da condecoração de Paes no grupo das Grandes Cidades para Liderança do Clima, o jornal Times publicou uma reportagem especial analisando as mudanças no Rio por conta da Copa do Mundo e das Olimpíadas, criticando a administração municipal que investe em obras faraônicas em detrimento das infraestruturas básicas necessárias para a qualidade de vida da população carioca.

O conceito defendido pelo C40 é bem amplo, relacionando o avanço dos seus aspectos econômicos, sociais, ambientais e culturais de uma cidade com a sua qualidade de vida dos seus moradores. Os governos das cidades sustentáveis devem atrelar as suas ações com um olhar no futuro, implementando os programas para reduzir a emissão de gases poluentes (efeito estufa), a despoluição dos rios e lagoas, o desperdício de energia, melhor gestão da água, investir em mobilidade urbana, na urbanização das favelas e em programas para evitar as enchentes e na coleta seletiva de lixo. O grupo, criado em 2005, reúne prefeitos de 63 metrópoles mundiais e pela primeira vez será comandado pelo líder de uma cidade em desenvolvimento. O objetivo é adotar ações para diminuir os efeitos do aquecimento global.

O mestre em Oceanografia pela Universidade da Flórida e doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), David Zee, estuda as sete lagoas do Rio de Janeiro há muitos anos e garante que a questão da poluição está diretamente atrelada à forma de como a população enxerga essas áreas. Segundo ele, os moradores não conseguem observar outras funções para as lagoas a não ser um depósito de resíduos ou cenário de contemplação. Ao mesmo tempo, as comunidades se multiplicam no entorno das lagoas e também contribuem com o processo de degradação, despejando o seu esgoto in natura nas águas.

"O problema reside justamente neste ponto. O governo deve investir em saneamento básico nas favelas se quiser resolver as questões ambientais mais graves. A maior parte da população lança diretamente os seus dejetos nas lagoas, que até tem a capacidade de digestão, mas ultimamente a poluição tem sido tão grande, que esta função não está mais dando conta", explicou Zee. O oceanógrafo apresentou há mais de seis meses, pela Câmara Ambiental da Barra da Tijuca, um projeto sustentável dos espelhos d´água ao prefeito Eduardo Paes, denominado "Uso Sustentável do Canal de Marapendi, identificando e avaliando múltiplas funções das lagoas da Barra da Tijuca, na Zona Oeste da cidade. O projeto de David Zee amplia a capacidade das lagoas cariocas, sugerindo que elas sejam utilizadas também para o transporte náutico, como área de lazer e prática de esportes e para a pesca como alternativa de renda para as famílias no seu entorno. Zee ainda não recebeu nenhum retorno da prefeitura sobre a viabilidade e aprovação da sua proposta.

Com a chegada dos megaeventos na cidade, David Zee lembra que o poder municipal se comprometeu com uma série de melhorias, que ainda inexistem. Por enquanto, a infraestrutura urbana do Rio é favorável a destruição das lagoas, com bairros como Tijuca, Jacarepaguá e Lagoa enviando o seu esgoto para as águas e piorando as condições ambientais da lagoas, que não conseguem renovar os seus fluxos. A Lagoa Rodrigo de Freitas ainda recebe um pouco mais de atenção das autoridades locais, por estar numa região de maior visibilidade e ponto turístico.

Na visão de Zee, esse processo contínuo causa uma "insegurança ambiental", que deve refletir na imagem da cidade que receberá os Jogos Olímpicos. "A situação é bem grave. Imagina uma prova de triathlon em Copacabana, com mar poluído. Imagina a competição de remo na Lagoa Rodrigo de Freitas, a vela na Guanabara, até a prova de golfe perto do Canal de Marapendi. É um sistema integrado hídrico integrado, que reflete em todo o Estado. O Rio de Janeiro visto do alto é tudo muito lindo. Quando os esportistas chegarem aqui vão ter um cartão postal perfeito do avião, mas quero ver o que eles vão achar quando estiverem em contato direto com o ambiente aqui em baixo, dentro das lagoas. Corre o risco deles esbarrarem em um troco de árvore, uma garrafa pet, um sofá. Até as equipes de vôlei tem que tomar cuidado para não pisar num caco de vidro nas areias. Se o atleta estrangeiro e mesmo o brasileiro perder uma competição por um motivo dessa natureza, será uma vergonha nacional. E como vai ficar o turismo ambiental como uma das principais fontes econômicas da cidade?", ressaltou David Zee.
Jogos Olímpicos e a "prova de fogo de Paes"

A gestão de Eduardo Paes no C40 vai coincidir com a realização dos jogos olímpicos no Rio de Janeiro e para Zee esse fato pode ser muito positivo, mas se a cidade do Rio se comportar de forma exemplar no quesito sustentabilidade. Caso contrário, a imagem de todo o país pode ficar bastante arranhada no ambiente internacional. "Basta pensar em quantas cidades no mundo gostariam de estar no lugar do Rio de Janeiro agora. É muita responsabilidade", destacou ele.

Uma saída apontada por David Zee é a criação de um grupo tarefa composto por uma equipe profissional multidisciplinar para avaliar os riscos das demandas dos grandes eventos e que podem afetar a sociedade carioca e deixa em evidencia a eficiência do governo municipal. A intenção seria criar uma visão do conjunto social para que as metas da prefeitura sejam alcançadas. Esses trabalhos envolveriam as secretarias do Meio Ambiente, Obras e Ordem Pública.

Para o ambientalista, a cidade do Rio de Janeiro está crescendo de forma desordenada e sem priorizar os programas mais importantes para a população, reforçando a teoria abordada pelo jornal Times. "É muito fácil observar que a cidade está expandindo mais para a Barra e Recreio. Uma prova disso são as obras: tuneis, vias expressas, metrô. E com relação a chegada do metrô, como um bairro com a população da Barra e o seu entorno, concentrando mais de 28 mil pessoas, pode receber apenas uma estação? Com certeza será um grande transtorno e caos anunciado. Essa semana, tivemos um bom exemplo com a manifestação das vans. Com pouco tempo de interdição em apenas um trecho da avenida principal, o trânsito deu um nó", comentou Zee.

A deputada estadual Aspásia Camargo (PV/RJ), que esteve semana passada na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (Cop 19), acredita que os países vão precisar de uma estratégia inteligente para tratar a questão da sustentabilidade. O ponto mais vulnerável está na emissão de gases poluentes, que provocam o chamado efeito estufa. Aspásia destaca que o Rio de Janeiro, que agora estará à frente do C40, terá que incentivar a participação empresarial e das suas entidades privadas e públicas para resolver esse problema na cidade, além da vontade política.

"O Rio teve uma grande inspiração, que foi a desativação do Aterro Sanitário de Gramacho, mas o aspecto energético ainda é um problema na cidade", disse ela. Aspásia enumerou três passos prioritários no sentido de resolver a questão energética ligada ao transporte coletivo no Rio. A primeira providência diz respeito à mobilidade urbana, que merece toda a atenção do prefeito Eduardo Paes. "Acho que os BRTs [corredores expressos] devem ser movidos por outro tipo de energia que não o diesel, como acontece hoje em dia. Outra medida para evitar o impacto ambiental é estimular o uso dos trens e metrô. Os moradores da Baixada Fluminense trabalham nas áreas centrais da cidade e o deslocamento da população para essas áreas é muito intenso. Levando em conta esse cenário, o governo municipal deveria reformular o conceito desses tipos de transporte e ter a ambição de mudar as linhas e operar as mudanças necessárias visando aumentar o número de pessoas utilizando esses transportes coletivos", esclareceu a deputada.

A segunda providência citada pela deputada é a implementação de um programa socioambiental nas comunidades cariocas. Ela esclarece que, embora os moradores dessas áreas faça uso "informal" de energia, os conhecidos "gatos", o desperdício desse serviço é enorme, promovido pelo uso inadequado dos suplementos energéticos. Como exemplo, ela citou o uso de aparelho de ar-condicionado no modelo antigo, que não possui dispositivo para economizar no consumo de energia, assim como eletro domésticos velhos e fora dos padrões de utilidade, como a geladeira cuja porta não fecha mais e o tipo de iluminação. "Enfim, o que observamos nas favelas é um gasto de energia muito grande. Um programa ambiental de conscientização resolveria essas questões, com certeza teria grande sucesso e resultados extramente positivos", disse Aspásia.

O terceiro aspecto essencial para reduzir a emissão de gases poluentes, na visão da deputada, é criar Centros de Pesquisas e modernizar os programas de comunicação e tecnologia da informação, no sentido de melhorar e incentivar os contatos comercial e pessoal pela internet. "Por exemplo, as teleconferências evitam muitas viagens e, consequentemente, os desperdícios. Quantos deslocamentos são evitados quando se tem bons meios de comunicação pela internet. Esse processo integra as políticas positivas de uma cidade inteligente, dentro do conceito de sustentabilidade", esclareceu Aspásia.

Avaliando o atual cenário do Rio de Janeiro, quanto a sustentabilidade, Aspásia acredita que o governo municipal precisa vencer etapas ainda pendentes. Para ela, houve um processo de esvaziamento econômico agregado à expansão extrema da violência na cidade. "Um fato tem tudo haver com o outro. Muitas fábricas fecharam as portas em áreas próximas aos pontos de maior criminalidade e afetou em cheio o setor econômico. Então, o governo tem a missão de transformar o Rio em uma cidade atrativa. O C40 pode representar uma oportunidade imperdível para o Rio, através da visibilidade de que proporcionar. Porém, o Eduardo Paes assumir uma liderança apresentando pontos vulneráveis será um grande risco", comentou a deputada do PV.

Aspásia considera que o Rio está passando por uma fase de transição muito difícil, porque deu um salto em desenvolvimento, mas sem os suportes necessários. As consequências disso estão no transporte deficiente, com um trânsito carregado de automóveis e um transporte coletivo ineficiente. "Na minha opinião, temos que sair da inercia e melhorar a Educação, para reverter em melhores empregos, investir na qualificação profissional. Somente assim vamos conseguir mudar o nosso cenário municipal. Por exemplo, não podemos criar um estádio que não tem uma parcela de, pelo menos, 30% de seus ingressos com preços populares, isso pode gerar um desconforto e até revoltar a população. O que estamos falando está num ítem importante da inclusão social, que deve ser tratado com cuidado e atenção pelos governantes", avaliou Aspásia.

Na semana em que Eduardo Paes foi condecorado em Manhattan, no Rio de Janeiro a realidade não foi nada "sustentável". A triatleta profissional Débora Boaretto, de 28 anos, foi derrubada da bicicleta por ladrões no aterro do Flamengo, na zona sul do Rio, e sofreu uma grave fratura na clavícula, tendo que ser operada. E na Zona Norte, novas evidências surgiram contra cinco policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) de Manguinhos, acusados pela polícia civil de homicídio qualificado contra um morador da favela. E também na Zona Norte do Rio, moradores ficaram sem luz após uma retroescavadeira da obra da Transcarioca ter rompido um cabo, deixando sem energia os bairros de Olaria, Penha, Ramos, Bonsucesso e Higienópolis. Na sexta-feira passada, um novo arrastão em Copacabana, Zona Sul, levou pânico a um grupo de turistas e a moradores do bairro. Os novos episódios não foram citados pela Times e o Consulado dos Estados Unidos ainda não disparou novos alertas contra a violência.
Fonte:
Jornal do Brasil

Cláudia Freitas

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