domingo, 1 de dezembro de 2013


Investimentos sociais e em infraestrutura ditariam sucesso das UPPs, mas moradores não veem mudanças

Se antes a desculpa para o abandono e a falta de investimento nas favelas cariocas era a insegurança e presença de grupos armados, a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) implantada pela primeira vez em dezembro de 2008 serviu para romper essa barreira. Junto com a unidade policial, o governo fluminense se comprometeu a investir na parte social e de infraestrutura, como principais bases para o sucesso do projeto de "pacificação". Cinco anos depois, comunidades permanecem quase inalteradas, na opinião dos moradores. "Nada sobrevive só com segurança", chegou a comentar o delegado José Mariano Beltrame em maio de 2011, já preocupado com a demora de investimentos.

Para especialistas, não há como negar os benefícios em segurança trazidos pela implantação da UPP. Apesar do aumento da violência em outras cidades brasileiras, moradores de bairros com comunidades pacificadas acreditam que o programa ajudou a reduzir crimes violentos, de acordo com pesquisa do professor de Economia da Puc-Rio, Claudio Ferraz, divulgada no portal Rio Como Vamos. Moradores das comunidades, contudo, mesmo frisando que não são contra a UPP, se queixam de um aumento da sensação de insegurança, com maior incidência de estupros e assaltos. Falta ainda, acreditam, o mais importante: atendimento efetivo a necessidades como urbanização, cidadania e demolição de fronteiras.
O programa da UPP Social foi transferido para o município em janeiro de 2001. Seu objetivo é promover a integração urbana, social e econômica das áreas da cidade beneficiadas por UPPs. Bastante anunciadas no início do projeto, suas ações agora ocupam menos espaço na mídia tradicional. Muito se falou, por exemplo, do grupo de moradores treinados para criar mapas para algumas comunidades. De acordo com a prefeitura, 57 pessoas das favelas foram capacitados para criar representações que mais se aproximassem da realidade do ambiente onde cresceram.

Na Rocinha, maior favela da América Latina, pacificada em 2011, os moradores se queixam que o governo fez apenas uma "maquiagem" em relação à urbanização, que cursos oferecidos não são devidamente divulgados ou não contam com professores, que obras foram iniciadas e interrompidas no meio do caminho e que apenas a rua principal, a Estrada da Gávea, recebeu investimentos. Nesta rua, a comunidade ganhou uma biblioteca muito bem equipada e moderna, na opinião deles, mas que fica ao lado de um esgoto a céu aberto e que não faz esforços para captar os jovens.


“A Estrada da Gávea é coisa de primeiro mundo comparada ao resto da Rocinha”

"Não adianta colocar uma biblioteca e achar que os jovens daqui vão se interessar imediatamente por ela. Era preciso um esforço para atrair as pessoas", comentou a moradora Monique Oliveira. "A Estrada da Gávea é coisa de primeiro mundo comparada ao resto da Rocinha", completou. A rua principal apresenta pavimentação, placas e fiscais de trânsito. Ao entrar nos becos e outras ruas, contudo, a situação continua a mesma de antes da pacificação, diz.

Questionada, a UPP Social, por meio da assessoria de imprensa, informa que "graças ao processo de pacificação e transformação da cidade, aos poucos estas regiões estão sendo integradas ao município. A Prefeitura do Rio investe R$ 1,5 bilhão nas áreas pacificadas em projetos de moradia, obra, educação, saúde, lazer e fomento da economia local. Mas temos consciência de que ainda há muito a ser feito. E estamos caminhando a passos largos para conseguir dar às pessoas nestes 34 territórios, onde hoje há UPPs, condições de vida que se aproximem e muito das condições de cariocas de outras áreas da cidade".

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Alguns moradores da Rocinha se queixam do local não ter recebido o mesmo tratamento de outras favelas pacificadas como o Complexo do Alemão. Neste, por sua vez, a situação também parece não ter mudado muito. Conforme disse Alan Brum, coordenador do Instituto Raízes em Movimento do Complexo do Alemão, ao JB no final de setembro, "construíram um cinturão social no entorno do Alemão, com um colégio público bonito, UPA, creche e o conjunto habitacional. Mas isso só nos locais por onde os turistas passam. Se você entrar na comunidade, vai encontrar o resultado do desleixo do poder público, a real precariedade que tentamos combater".

Um líder comunitário da Cidade de Deus, pacificada em 2009, contou ao JB que o local vem recebendo muitas obras e intervenções urbanas, mas que a parte social tem ficado à mercê. Ele alerta que muitas crianças ainda optam pelo tráfico, por falta de perspectivas. "Nada mudou. A Cidade de Deus é enorme, é o mundo. Eles até implantam projetos, mas que ficam quase invisíveis, pelo tamanho da comunidade."

A situação se repete em outras favelas cariocas, como o Borel. Um morador que prefere não se identificar frisa que não é contra a UPP ou a favor do tráfico, mas que o projeto precisa ser repensado. Ele ressalta que a urbanização, um dos pilares da UPP Social, não chegou à comunidade, que há redes de esgoto à céu aberto, falta constante de água, não tem asfalto, e drenagem "os moradores nem ouviram falar".


“Até hoje não vi nada semelhante a desenvolvimento social advindo da UPP Social”

"Os serviços são todos precarizados, há uma deficiência nesse projeto. Entretanto, temos uma coisa que funciona de vento em popa: agressão, humilhação aos moradores por parte dos policiais. Uma das coisas que eu vejo é que a UPP Social é uma tentativa do governo minimizar sua ausência, dando chances para a iniciativa privada reinar por meio da implementação da UPP, tirando sua responsabilidade. O projeto também visa o desenvolvimento econômico, eu, porém, acho que deveria visar o desenvolvimento comunitário. O que é isso? Desenvolver a comunidade de forma abrangente, trazendo as políticas públicas, as iniciativas públicas de direito, pois não é um favor (...). Até hoje não vi nada semelhante a um desenvolvimento social advindo da UPP Social, senão pesquisas de campo. O IPP (Instituto Pereira Passos) só visa estatísticas, só tem números no site deles. Acredite, nada mudou referente à UPP Social. Na minha opinião, as políticas públicas deviam chegar permanentemente", acredita o morador do Borel.

Cedae e Light ressaltam investimentos e moradores falam em abandono

Ruth e Maria Helena, também moradoras do Borel, corroboram essas observações. Na percepção delas, nada mudou de forma concreta na comunidade. Ruth fala que muito pouco foi oferecido, levando em conta o muito que foi prometido. Ela destaca um trabalho de reestruturação da Light logo no início e o "serviço mal feito" da CET-Rio, em relação ao trânsito, e também da Cedae, em fornecimento de água. Em relação a ações sociais específicas, Ruth acredita que o problema é que "mudam o corpo efetivo dos projetos com muita frequência", o que exige que eles iniciem os trabalhos constantemente e que acabem "não fazendo nada".

A Cedae informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que mesmo antes da implantação das UPPs, a empresa já realizava levantamentos para identificar carências nas comunidades, ações que foram intensificadas com a pacificação. "Durante muito tempo, a operação e manutenção destes sistemas não podiam ser realizadas a contento por estarem localizados em áreas onde não existia segurança, levando ao desgaste excessivo das instalações e ao desequilíbrio no abastecimento de água. Concluída a análise dos problemas, a Cedae planejou um conjunto de intervenções emergenciais para serem executadas nos sistemas de abastecimento de água, além de manutenções nos sistemas de esgotamento sanitário. Essas intervenções vêm sendo executadas através de programas específicos desde 2010, moldados conforme as peculiaridades de cada comunidade."

A comunidade de Santa Marta, destaca a Cedae, recebeu "diversas melhorias" no sistema de elevação de água e no sistema de distribuição, com substituição e assentamento de redes. Ressalta, no entanto, que grandes dificuldades são ações de "vandalismo" e má utilização do sistema, "que recebe todo tipo de detritos", como sacos plásticos e absorventes. Neste ano, até agosto, foram executados 4.144 serviços nos sistemas atendidos pela Cedae nas comunidades, além de reuniões nas associações de moradores para prestar orientação.

Sobre a falta de água no Borel, atesta: "Com relação aos problemas de abastecimento, não temos informação de falta d’água na região, cujo sistema – redes e elevatórias – estão operando normalmente. Pedimos algum endereço ou referência para o envio de técnicos."

A Light, por sua vez, diz que está ampliando sua atuação nessas localidades desde 2009, para regularizar a situação dos moradores, melhorar a qualidade do fornecimento e evitar o furto de energia elétrica. Das 34 comunidades que já contam com UPPs, está presente em 17, como Santa Marta, Cidade de Deus, Batan, Babilônia e Chapéu Mangueira, Tabajaras e Cabritos, Borel, Formiga, Andaraí, Macacos. A companhia ainda defende sua atuação nestas áreas com projetos de desenvolvimento e modernização da rede elétrica, que inclui substituição dos postes, redes, transformadores e medidores.

O JB entrou em contato com a CET-Rio, mas não teve retorno.


“A gente esperava mais, todo mundo esperava. Mas ainda não veio”

"A parte social não chegou à Rocinha como deveria. Na parte cultural, a gente pena para conseguir articular alguma coisa. Faz por conta própria. Em relação à urbanização e infraestrutura, foi feito muito pouco, alguns retoques. Eles fizeram, principalmente, obras nas quadras esportivas. A gente esperava mais, todo mundo esperava, mas ainda não veio", lamenta o comerciante e agitador cultural da Rocinha, Hernani Ferreira.

Outro morador da Rocinha, que não quis se identificar, comentou em um primeiro momento que muito já foi feito na comunidade após a implantação da UPP Social, mas que, como as demandas eram muitas, a comunidade não consegue notar os investimentos. Alguns minutos de conversa depois, todavia, ele afirma que "falta levar a comunidade a sério", ao comentar o atraso nas obras da creche, que ficou abandonada e passou a ser utilizada pelos moradores para os mais diversos fins. As obras já foram retomadas, mas o prazo continua apertado. A Secretaria estadual de Obras, responsável pela aplicação dos recursos do PAC, havia anunciado que as obras do PAC 1, que estão atrasadas, acabariam em novembro.

Ele também destacou a especulação imobiliária que chegou à comunidade com a UPP. Um apartamento de dois quartos e varanda na Rua 2 chega a custar R$ 270 mil.

Especialistas comentam sobre importância da UPP e ritmo lento em questões sociais

Daniel Cerqueira, diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em conversa com o JB, argumenta que, com a implantação das UPPs, as comunidades já sentem benefícios grandes, como redução de homicídios, de autos de resistência e tiroteios. "Houve, finalmente, o exercício de ir e vir nessas comunidades". Mas destaca contrapartidas da chegada do estado para a população. Com a "saída" do narcotráfico, ainda que não tenha se extinguido, o que não era o objetivo das UPPs, o volume de negócios de parte da população diminui, já que uma parcela da comunidade estava ligada aos negócios relacionados ao tráfico.

"Era muito dinheiro circulando nos bares, beneficiava várias pessoas. Por outro lado, em determinadas comunidades, houve encarecimento de vários serviços. Antes tinha muito 'gato' de energia elétrica, 'gatonet'. Agora a taxa é maior, aumenta o custo, o valor dos imóveis. Aos poucos, essa percepção vai se disseminando. Agora, a gente espera pelas melhorias na comunidade. Em algumas, de fato, foram oferecidos cursos. Em outras, parece que isso não avançou tanto, e isso vai causando uma certa frustração. Nós estamos falando de conjunto de benefícios e um conjunto de custos. À medida que o tempo vai passando aquilo, [o benefício] vai se esvaindo na memória e começam a aflorar cada vez mais os custos. As pessoas começaram a perceber que além do glamour existem custos", explicou Cerqueira.

O diretor do Ipea destaca ainda os malefícios da falta de esforços para reformar a atuação da polícia. Ele reforça que a polícia continua abordando os moradores de comunidades de forma truculenta, gerando vários casos que repercutem publicamente como o do pedreiro Amarildo, da Rocinha.

Marcos Bretas, professor de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ e especialista na relação da polícia com a sociedade, reforça que a pacificação não é um projeto linear, mas feito de etapas. Para ele, a etapa da Implantação da UPP foi muito importante, muito coisa melhorou, sim, e basta olhar o número de pessoas que não morreram. Agora, pondera o professor, todo mundo deseja que haja mais do que isso, que seja feito um processo de incorporação desses grupos nos direitos mais básicos, o que está lento.

"A questão social está ficando para trás. A atenção está sendo deslocada para outros tipos de projeto, como Copa do Mundo. O poder de reclamar das comunidades já cresceu, eles têm demandas com situações que antes não tinham condições de demandar. É realmente difícil, a demanda é enorme, são áreas enormes degradadas. Essas melhorias na parte social terão um ritmo lento", comentou.

Marcus Ianoni, professor do Departamento de Ciência Política da UFF, lembra que ainda é recente a preocupação mais substantiva com a desigualdade social histórica existente no Brasil. Como o governo Lula, diz, a questão da desigualdade ganhou um novo status e, com o tempo, os governos estaduais e as prefeituras tentam promover iniciativas mais consistentes de política social ou assinar convênios com a União, para implementar conjuntamente certos programas.


“Não dá para cobrar que em pouco tempo derrubem-se os muros entre favela e asfalto, mas a população deve cobrar mais efetividade”

"Apesar dos avanços ocorridos nos últimos anos, o ritmo de combate à desigualdade no país ainda é lento em relação ao que necessitamos. Não dá para cobrar que, em pouco tempo, derrubem-se os muros que separam a favela do asfalto, mas, ao mesmo tempo, a população das comunidades e toda a sociedade devem cobrar mais efetividade na ação pública voltada à inclusão social e ao combate às desigualdades sociais. A segregação social e territorial é uma triste realidade brasileira. Quando os arrastões chegam à Zona Sul, as respostas são mais rápidas, ao passo que o subúrbio convive com a calamidade cotidianamente", reforça Ianoni.

De acordo com ele, acontece muito experimentalismo, os governos são pressionados, seja por motivo eleitoral ou pela própria gravidade dos problemas, a dar respostas e, muitas vezes, as respostas surgem através de programas improvisados, programas planejados às pressas ou mal planejados. Para o professor, é importante que as políticas sociais de combate às desigualdades sejam encaradas como um tema orgânico do Estado, com mais seriedade e continuidade, e que seja reduzido o empreguismo no serviço público e mais servidores concursados, principalmente nos níveis mais altos da burocracia. "A solução dos problemas não é meramente técnica, é também política, exige participação, mas sem bons funcionários não há boas políticas públicas."

A UPP Social aponta números que mostram a "evolução dos serviços básicos" nas comunidades. Dos 118 Espaços de Desenvolvimento Infantil construídos na cidade, destaca, 46 estão nestas áreas. A cobertura do Programa Saúde da Família, pelo Estratégia Saúde da Família, chega a 75% dos moradores das comunidades pacificadas e, até 2016, a meta é estender para 70% na cidade do Rio, mas nas favelas pacificadas, a 100%. Em 12 locais (Batan, Caju, Chapéu Mangueira/Babilônia, Formiga, Jacarezinho. Manguinhos, Pavão-Pavãozinho Cantagalo, Providência, Salgueiro, Santa Marta, São Carlos e Tabajaras/Cabritos), a cobertura já é de 100%, de acordo com a Prefeitura, que diz também ter aplicado quase R$ 1 bilhão no Programa Morar Carioca, que inclui projetos já concluídos de urbanização e construção de novas moradias, referentes a R$ 258 milhões.

A Prefeitura ressalta que, recentemente, a cidade do Rio ganhou o título de Social Business City da América Latina. Com a conquista do selo, foi anunciado um Fundo de Investimento que será criado para auxiliar micro e pequenos empreendedores de comunidades. A expectativa é que R$ 5 milhões sejam arrecadados para empreendedores das áreas pacificadas, nos próximos três anos.

Fonte:
Jornal do Brasil
Pamela Mascarenhas

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