quarta-feira, 1 de maio de 2013

Uruguai avança na luta pelos direitos individuais

País aprovou casamento gay, descriminou aborto e maconha

Às vésperas da entrar em pauta de votação da Câmara dos Deputados, em Brasília, um projeto de lei que altera pontos da lei antidrogas e aumenta a repressão aos usuários (PL 7.663/2010), e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da casa é presidida pelo pastor Marco Feliciano, crítico frequente da legalização do aborto e do casamento gay, na contramão do Brasil, um país vizinho avança na luta pelos direitos individuais do cidadão: o Uruguai.
A capital, Montevidéu, por sinal, vai sediar a próxima reunião do Mercosul, em junho. Em dezembro passado, o presidente José Mujica recebeu a presidência rotativa do órgão.
Em outubro do ano passado, os senadores uruguaios aprovaram a descriminalização do aborto para gestações de até três meses. Essa lei determina que toda mulher uruguaia com pretensões de fazer aborto seja acompanhada por uma equipe de ginecologistas, psicólogos e assistentes sociais para receber informações sobre os riscos. Se ela decidir tirar o bebê, poderá solicitar a cirurgia nos centros públicos ou privados de saúde. Em dezembro de 2012, foi a vez da aprovação com ampla maioria, na Câmara dos Deputados daquele país, do projeto de lei do matrimônio igualitário entre homossexuais e heterossexuais.
Mujica foi autor do projeto de lei, pela qual o próprio Estado faria o cultivo e distribuição da maconha aos usuários, que não conquistou aprovação popular
Mujica foi autor do projeto de lei, pela qual o próprio Estado faria o cultivo e distribuição da maconha aos usuários, que não conquistou aprovação popular
Outro projeto de lei em discussão no Congresso uruguaio, de autoria do próprio presidente do Uruguai, José Mujica, é o que pretende legalizar a venda e distribuição da maconha no país, no qual o próprio Estado seria responsável por cultivar e distribuir aos usuários. O uso pessoal da erva já é legalizado.
Na opinião do cientista político e professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Gustavo Gomes da Costa, o avanço uruguaio em relação a essas questões, consideradas polêmicas por alguns setores da sociedade, não é de hoje.
“Em um contexto latino-americano, essas leis são um marco do ponto de vista dos direitos à liberdade individual. Nesse sentido o Uruguai, infelizmente, é uma exceção, pois a grande maioria dos países da América Latina adota atitudes conservadoras e até reacionárias. Se olharmos a história do país verificamos que, no que se refere a considerar as mudanças de costumes da sociedade, o Uruguai é uma liderança na região. Eles foram um dos primeiros países a aprovar o divórcio, por exemplo, e durante muito tempo brasileiros iam ao Uruguai para conseguir se casar novamente”, ressalta Costa.
De acordo com o cientista político, os uruguaios podem alçar uma posição de destaque no âmbito da América Latina: “Diria que a médio e longo prazo o Uruguai irá se reforçar no papel de liderança do reconhecimento das liberdades individuais, seguindo assim sua tradição”.
Já o chefe do Departamento de Ciência Política da UFRJ, Carlos Eduardo Martins, autor do livro Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina, pondera em relação ao progresso uruguaio poder se expandir no âmbito latino-americano. “Há uma sinergia entre mudanças nacionais e regionais na América do Sul, cada avanço social num país pressiona a mudança em outros, mas não podemos desprezar que há fortes barreiras a estes avanços. Os determinantes internos em cada país são muito importantes”, afirma.
Na opinião de Martins, é a Argentina de Cristina Kirchner a precursora de mudanças voltadas ao reconhecimento da liberdade individual dos cidadãos na América do Sul. Segundo ele, “a sociedade uruguaia é uma das mais conservadoras da região”.
“[A população] rejeitou por pequena maioria em plebiscito a revisão da lei de anistia em duas ocasiões, e quando finalmente esta foi estabelecida pelo Senado, a corte suprema a revogou” destaca o cientista político, que, no entanto, reconhece: “o caldo das mudanças político e institucionais na direção dos avanços sociais mostra o quanto o ambiente é favorável a mudanças na América do Sul”.
Na opinião da também cientista política e doutoranda do Instituto de Ciências Sociais e Políticos da Uerj (Iesp/Uerj), a uruguaia Lorena Granja, a sociedade daquele país é menos pragmática em relação a como será feita a regulamentação de determinada lei.
“Estamos falando da sociedade uruguaia, que é pequena e não é primeira vez que ela aprova avanços no sentido de reconhecer e regulamentar os direitos de seus cidadãos. Ao debater essas questões, é muito importante levá-las à sociedade civil e às organizações sociais que defendem determinado tema. Como o Uruguai é um país relativamente pequeno, fica mais fácil debater com a sociedade. No entanto, essas questões vão muito além do tamanho da sociedade do país, têm mais a ver com a relação governo-sociedade” ressalta Lorena.
Maconha: maioria é contra
Enquanto as leis que aprovam o aborto e o matrimônio gay tiveram grande apoio popular, de acordo com plebiscitos organizados pelo próprio governo uruguaio, a sociedade daquele país se posicionou amplamente contra outro projeto do presidente José Mujica, no qual o próprio Estado seria o responsável pelo cultivo e venda da maconha, embora o uso pessoal já seja descriminalizado.
Segundo o plebiscito realizado no início de dezembro do ano passado, 64% dos uruguaios se colocaram contra o projeto do presidente Mujica, enquanto 26% ficaram a favor. Os outros 10% não opinaram.
Para a uruguaia Lorena, mais importante que a aprovação do projeto, é o debate político do tema que cabe ao mundo inteiro, mas em um âmbito latino-americano. “O projeto da descriminalização está no marco da luta internacional contra o narcotráfico e tem um sentido integral, que atinge as dimensões sociais, de saúde e segurança pública. Acredito que o principal feito de Mujica nessa questão da maconha é ter se posicionado contra as políticas de repressão ao narcotráfico, que há anos não vêm dando certo, e é um dos maiores problemas na América Latina”, opina a cientista política.
Já o cientista político e professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Gustavo Costa, o projeto de lei da venda e distribuição da maconha pelo Estado uruguaio representa uma “luz no fim do túnel”.
“Se aprovado este PL, a representatividade será muito positiva, pois se trata de um exemplo latino-americano. Muito se fala de leis desse tipo em países europeus e é muito interessante ter um exemplo na América Latina. Mais que isso, a postura uruguaia também representa uma mudança da política repressiva adotada pelos países da região em relação às drogas, que não deram certo”, ressalta o cientista político.

Fonte: Do Projeto de Estágio do Jornal do Brasil

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