quarta-feira, 22 de maio de 2013

A Síndrome da Reivindicação Sucessiva, por Elio Gaspari

A Síndrome da Reivindicação Sucessiva é um ardil usado por quem não quer fazer uma coisa e argumenta que não é contrário à ideia, mas ela deve depender de algo, sem o quê, será inócua ou contraproducente.

Dois exemplos:

1 — A corrupção política só acabará quando houver uma reforma, criando-se o financiamento público de campanha.

Falso. O que inibirá com a corrupção será a ida dos larápios para a cadeia, e é isso que os defensores do financiamento público, inclusive Lula, querem impedir.

2 — A contratação de médicos estrangeiros por tempo determinado para trabalhar em áreas onde não há esses profissionais só fará sentido quando se rediscutir o sistema de financiamento da saúde ou o plano de carreira do SUS.

Falso. Hoje, dois terços dos 288 mil médicos estão nas regiões Sul e Sudeste. Só 13% deles clinicam em municípios com menos de 50 mil habitantes, onde vivem 64 milhões de pessoas. Em 397 municípios não há médico algum. É direito de qualquer cidadão trabalhar onde bem entende, mas barrar o acesso de outro profissional que aceita ir para um lugar que não lhe interessa é bem outra coisa.






O ardil destina-se a congelar uma situação na qual os médicos estabelecidos têm no Brasil uma reserva de mercado e transformam concorrência em vírus. O andar de cima dos pequenos municípios trata-se em outra cidade, ou em São Paulo. O peão, dana-se, ou vai ao curandeiro.

Se três médicos cubanos, marcianos ou espanhóis chegarem a um município pobre para uma permanência de três anos, qual dano ameaçará a população?

A reivindicação sucessiva é sempre impecável. Lei do Ventre Livre? Enquanto não houvesse creches seria a “Lei de Herodes”.

Lei dos Sexagenários? Sem asilo para os negros forros, uma crueldade.

Cotas nas universidades públicas? O que se precisa é melhorar o ensino médio.

Voto para o analfabeto? É obrigação do Estado alfabetizá-los. Até lá, que esperem.

(Não custa lembrar que os generais de 1964 achavam isso e, em 1969, quando decidiram escolher um presidente da República, meteram-se numa enrascada, pois se o voto de um analfabeto não vale o de um coronel, o de um general que comandava uma mesa não valia o de um colega que tinha tropa).

Os municípios sem médico também são pobres de renda. Em março a doutora Dilma torrou R$ 325 mil em três dias de hotelaria romana, noves fora o AeroLula. Esse dinheiro equivale a algumas semanas da receita de muitos municípios sem médico.

 Fonte: Elio Gaspari, O Globo

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