sábado, 25 de janeiro de 2014

Verão expõe problemas de higiene nas praias cariocas

Espumas nas águas e chuveirinhos impróprios são alguns dos transtornos enfrentados pelos cariocas


Com a chegada da estação mais quente do ano, as praias do Rio se tornam ponto de encontro dos cariocas e turistas. Apesar do belo cenário natural do litoral da cidade, problemas estruturais não tão atraentes têm sido expostos neste verão de 2014, como espumas nas águas das principais praias, dúvidas sobre o despejo de esgoto no mar, água dos chuveirinhos imprópria para o banho e vendedores de mate que utilizam água de jardim para abastecer os galões da bebida. Além disso, dermatologistas atentam para a falta de higiene das cadeiras de praia alugadas nos quiosques. Como se não bastassem os altos preços dos produtos nas areias cariocas – preço de uma água de coco chega a R$ 6 –, os banhistas também têm que conviver com a insalubridade nas praias. Especialistas alertam para o problema e dão dicas para prevenir os impactos na saúde.
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As espumas nas águas cariocas apareceram em diversos dias durante este mês de janeiro, e chamaram atenção da opinião pública e dos banhistas. Alguns evitaram entrar no mar enquanto a espuma era visível e espessa. De acordo com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), as diferentes espumas que surgiram – que variaram entre as colorações esverdeada, amarela e marrom – eram fenômenos naturais causadas pela ressaca do mar, altas temperaturas e decomposição de algas e microorganismos, e o Inea garantiu a balneabilidade das águas das praias do Rio.
Nesta quinta-feira (23), um vazamento de esgoto podia ser visto na Elevatória de São Conrado, na Avenida Niemeyer, na Zona Sul do Rio. O esgoto era liberado diretamente no mar da praia de São Conrado. A Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae) informou que realizou o reparo no mesmo dia.
O engenheiro sanitarista, Sérgio Pinheiro de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), atribui à instabilidade climática e fenômenos naturais o aparecimento das espumas nas principais praias da cidade, como Ipanema, Leblon, Arpoador e São Conrado. O sanitarista explica os fatores que levaram ao surgimento da espuma.
“A água do mar de superfície atingiu 30°C, e essa média não ocorre nos últimos 40 anos, além de coincidências de vários fatores naturais incomuns. As insurgências, que são trocas de águas frias do fundo com as quentes da superfície, em Cabo Frio e que influenciam a água do Rio, não estão acontecendo, além de alterações na massa de ar quente. Isso levou ao desenvolvimento de algas que não são comuns, portanto, atribuo à questões climáticas e coincidências naturais. Existem ensaios específicos para monitorar a qualidade das águas, que confirmam essa situação”, desenvolve Sérgio Pinheiro.
Com opinião diferente, a coordenadora da Rede Mobilizadora Meu Rio, Leona Deckelbaum, acredita que o despejo de esgoto ainda pode ser o responsável pelo aparecimento das espumas. Para ela, a presença de matéria orgânica no mar, que geram as espumas vistas nos últimos dias, geralmente são causadas pela presença de resíduos de esgoto. Leona ainda aponta que o sistema de esgoto do Rio é problemático e “inadequado”.
“Não sou bióloga, mas o que sei por pesquisas básicas é que essas algas naturais acontecem quando tem matéria orgânica, que muitas vezes é esgoto. Não tenho o conhecimento técnico, mas muitas vezes são fezes. Eu acho que tudo tem a ver com a falta de um sistema de tratamento adequado de esgoto”, critica a coordenadora da ONG. 
Sobre os chuveirinhos, que apresentaram resíduos de esgoto e se mostraram impróprias para o banho em análise recente, o sanitarista Sérgio Pinheiro afirma que é preciso identificar se a água utilizada nas duchas é oriunda dos lençóis da praia. Por não passar por nenhum tipo de processo de tratamento, a água pode trazer contaminações. O sanitarista alerta que o mesmo vale para o caso do vendedor de mate que abasteceu o galão da bebida com água do jardim de um edifício, flagrante realizado no início deste mês.
“Em relação aos chuveirinhos, se usa rede pública da concessionária, não vejo problema, porque ela tem que entregar a água nos padrões vigentes. Se utiliza água clandestina, bombeada do lençol da praia, ai é preciso atenção. É a mesma questão do mate sendo abastecido com água do jardim. Se a torneira estiver vindo da rede direta da concessionária, tem garantia. Se for de cisterna, que raramente são limpas,a contaminação se dá ali”, alerta e completa que seria função da Vigilância Sanitária fiscalizar a qualidade das bebidas vendidas na orla do Rio: “Acredito que seja função da Vigilância Sanitária. Ela não inspeciona cozinhas, restaurantes? Seria ela também a testar a qualidade do produto vendido”.
Preocupada com a qualidade da água dos mares cariocas e dos chuveirinhos disponibilizados pelos quiosques, a dermatologista Flávia Ravelli afirma que a presença de água tratada e clorada nos chuveirinhos contribuiria para o combate aos germes que podem existir nas águas do oceano e causam infecções, como a gastroenterite. A médica afirma que, mesmo em pequenas quantidades, a ingestão dessa água contaminada pode trazer consequências graves à saúde.
“Quando você entra na água tratada depois do banho de mar, ou seja, toma banho de água clorada, você se protege, porque é uma água que combate germes, fungos, protozoários. Quando não tem cloro, mesmo que a pessoa acabe ingerindo pouco dessa água, a pessoa pode ser contaminada. Na pele, não é possível afirmar que há contaminação por conta da ausência de cloro, mas a ingestão da água pode contaminar, e a pessoa pode ter febre, diarreia, gastroenterite, contrair rotavírus, e esses são os principais problemas”, revela.
A dermatologista ainda pede atenção para as causas das espumas marítimas, e diz que é preciso saber o real motivo do aparecimento dessas alterações na água. Segundo Flávia Ravelli, se for gerada por algum despejo de dejetos, esgoto ou por vazamento de petróleo, os impactos na pele e no sistema digestivo podem ser sérios.
“Em relação à espuma do mar, que pode ser um fenômeno biológico, se for por vazamento de dejetos ou até mesmo petróleo, isso, sim, em contato com a pele, pode causar dermatite, dermatite alérgica, manchas avermelhadas, coceira, além dos problemas de ingestão, como a gastroenterite, que podem ser causados”, adverte.
Outro problema apontado pela dermatologista é o perigo do aluguel de cadeiras nos quiosques da praia. Por conta da precariedade da higiene dos assentos, que entra em contato direto com a pele de diversas pessoas, o risco de contágio por fungos e bactérias aumenta. Mas Flávia dá dicas: esterilizar o local com álcool ou utilizar uma canga para evitar o contato direto com a cadeira.
“Nesse período de praia, principalmente por conta do aluguel de cadeira de praia, o que a gente observa é que começam a ter essas micoses nas áreas de contato com a cadeira. Os fungos permanecem nos locais úmidos, e causam manchas brancas, escamativas. O calor propaga o fungo, então a orientação é passar um pano com álcool para exterminar os germes, ou colocar uma canga”, sugere.
Para chamar atenção para o problema e cobrar mais incentivos das autoridades na questão de saneamento no estado, a ONG Meu Rio vai realizar uma ação na praia de Ipanema, neste sábado (25), às 9h. Serão colocados vasos sanitários e desenhos de bactérias serão espalhados na areia, como crítica à poluição causada pela falta de saneamento básico no Rio de Janeiro e a exposição a águas de baixa qualidade, seja nos mares ou nos chuveirinhos. 
“Nós do Meu Rio vamos realizar uma ação na praia, a ação vai ser criativa: um grupo de voluntários vão levar vasos sanitários, e vamos ficar em frente à [Rua] Teixeira de Melo, as privadas estarão com os canos indo em direção à água [do mar], colocaremos várias placas com informações. Vamos desenhar na areia as bactérias que ninguém sabe como aparecem, mas que estão nas águas, nos corpos dos banhistas, e vai ser ação criativa para chamar atenção para questão”, revela Leona Deckelbaum.
A coordenadora ainda critica o sistema de saneamento básico no Rio, e afirma que a questão é “invisível” aos olhos das autoridades e da opinião pública. Leona também afirma que a despoluição da Baía de Guanabara é um avanço, mas não é o suficiente, já que pretende despoluir apenas de resíduos sólidos, sem acabar com o esgoto despejado.
“Saneamento é uma questão invisível, ninguém vê. Ta ficando tarde demais. Um incentivo que vejo, que não é o adequado, mas já é uma resposta, é a questão das Olimpíadas, com a iniciativa de limpeza da Baía de Guanabara. O problema é que quer despoluir dos resíduos sólidos, que são esses objetos que a gente vê - sofás, geladeiras - e que não é esgoto. O esgoto que é o problema principal”, finaliza.
Fonte: Jornal do Brasil /Gabriella Azevedo*

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