terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Moradores reocupam casas interditadas após tragédia de 2010 no Morro dos Prazeres

Proprietários ainda recebem carnê de IPTU, enviado pela prefeitura


O Morro dos Prazeres: carnês de IPTU chegando até a ruínas de casas destruídas no deslizamento que, em 2010, matou 36 pessoas -
Foto: Agência O Globo / Márcia Foletto
O Morro dos Prazeres: carnês de IPTU chegando até a ruínas de casas destruídas no deslizamento que, em 2010, matou 36 pessoas -AGÊNCIA O GLOBO / MÁRCIA FOLETTO
RIO - A casa onde mora o aposentado José Francisco Carlos, de 60 anos, no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, foi interditada em 2010. Está no meio de escombros de outros imóveis interditados e parcialmente demolidos. No entanto, ele recebe, religiosamente, todos os anos, o carnê do IPTU. O imposto também chega ao endereço das ruínas, que não deixam os moradores esquecerem o temporal no verão daquele ano, que causou um deslizamento responsável pela morte de 36 pessoas na comunidade. Sem concordar com a indenização oferecida pela prefeitura após a tragédia, muitos moradores voltaram para as suas casas em áreas de risco e se dizem praticamente obrigados a conviver com o perigo.
Quatro anos se passaram e, segundo quem vive na favela, a prefeitura só fez o muro de contenção no trecho de encosta que desabou em 2010. As ruínas, vestígios de imóveis de moradores que aceitaram a proposta do município, já estão cobertas por mato e se transformaram em esconderijo de ratos e criadouro de mosquitos. José Carlos conta que as demolições foram interrompidas em janeiro de 2012, dois anos após a tragédia.
Desmatamento e lixo
O aposentado e a mulher, Fátima Maria Carlos, de 52 anos, limpam e capinam regularmente as áreas para reduzir o problema.
— Ofereceram R$ 25 mil pela minha casa. Onde vou conseguir comprar outra por esse preço? — argumentou José Francisco.
Do Morro do Fogueteiro, que fica em frente ao dos Prazeres, é possível ver outros trechos de encostas desmatadas e com lixo acumulado na comunidade. O medo dos moradores é que, com as chuvas deste verão, nova tragédia aconteça.
— Ainda tenho nítidas na cabeça as cenas daquele dia. Cada vez que chove, tenho vontade de ir embora. Mas como se, além da baixa indenização oferecida, o aluguel social de R$ 400 também não dá para nada? — perguntou Fátima.
Quem voltou para o perigo tratou logo de cobrir com tinta branca a inscrição da Secretaria de Habitação indicando a interdição.
— Apaguei porque muitas casas abandonadas pelos moradores após a tragédia foram invadidas. A marcação chamava muita atenção — argumentou Francisco Polito, que briga na Justiça para manter seu imóvel em pé.
A casa onde ele mora com a mulher, Míriam Pereira, e a filha de 7 anos tem dois pavimentos. No segundo piso, vive a outra filha, com o marido e um menino de 11 anos.
— A prefeitura diz que há risco, mas o perito que contratei afirma que não. Me ofereceram R$ 141 mil em duas casas de três quartos cada e dois mil metros quadrados de terreno. Um absurdo! — disse Francisco.
Moradora: só uma obra foi feita
A dona de casa Adriana Feliciano, de 38 anos, que após a tragédia assumiu o posto de representante dos moradores cujas casas foram atingidas, confirma que, em quatro anos, a prefeitura fez apenas o muro de contenção no trecho que deslizou. Ela conta que o imóvel onde morava com a filha e o marido desabou no temporal de 2010. Adriana aceitou a indenização de R$ 13 mil da prefeitura pela casa de dois quartos, mas agora luta para conseguir pagar a prestação do imóvel que comprou, na mesma comunidade.
— Tem muita gente que ainda aguarda a indenização ou as casas prometidas. Aqui nos Prazeres, mais de duas mil pessoas vivem em áreas de risco e cerca de 300 estão morando em casas condenadas. É tudo muito lento. E a parte alta do morro já está cheia de lixo, cenário ideal para uma nova tragédia — alertou.
Após as chuvas, o prefeito Eduardo Paes chegou a anunciar que toda a favela teria de ser removida porque, pelas estimativas da GEO-Rio, o custo das obras de contenção seria inviável. Um ano depois, um novo levantamento do órgão descartava a necessidade de remoção total. Com a revisão, seriam derrubadas 229 casas (ou 13,5%), todas no entorno da encosta que desabou em 2010. A Secretaria municipal de Habitação (SMH) informou que indenizou 79 famílias e realizou uma compra assistida para elas. Outras 121 estão recebendo o aluguel social até seu reassentamento definitivo, que ocorrerá em unidades habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida em construção na Rua Frei Caneca, no Centro.
Segundo a prefeitura, após os deslizamentos, a comunidade recebeu investimentos de R$ 5,5 milhões para limpeza e remoção de escombros, recuperação vegetal e obras de encosta. Ainda assim, o Morro dos Prazeres consta entre os 117 pontos identificados com sendo de alto risco de deslizamento na cidade, conforme mapeamento executado no Maciço da Tijuca e na Serra da Misericórdia em 2011. Mas, segundo a prefeitura, a comunidade já integra o pacote de intervenções previstas para este ano na região, com obras na ordem de R$ 8,5 milhões. Sobre o acúmulo de lixo, o município afirma que a Comlurb faz coleta diária na área, duas vezes ao dia, e que a favela conta com 32 contêineres de 240 litros cada.
De acordo com a Secretaria municipal de Fazenda, o contribuinte é quem deve procurar o atendimento do IPTU para regularizar sua situação, com a documentação referente ao imóvel, inclusive o laudo de interdição ou o contrato de indenização firmado com a prefeitura.

Fonte: O Globo

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