domingo, 10 de junho de 2012

Rio+20 coloca Brasil novamente no centro das discussões ambientais

Situações do mundo e do Rio se invertaram de 1992 para cá


Sob os olhares do mundo, de novo: as voltas que o mundo e o Rio em 20 anos
Foto: Custódio Coimbra / O Globo
Sob os olhares do mundo, de novo: as voltas que o mundo e o Rio em 20 anosCustódio Coimbra / O Globo
RIO — O mundo dá voltas, como se costuma dizer, e foram muitos os giros que o mundo deu nestes 20 anos que separam a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento — que também ficou conhecida como Eco-92, ou como a Cúpula da Terra ou ainda Rio 92 — da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável ou, simplesmente, Rio+20. Além do fato de a cidade voltar a sediar um encontro da ONU e o Aterro do Flamengo servir, mais uma vez, como palco para protestos multitudinários, são poucos os pontos de convergência entre a Rio 92 e a Rio+20. Nestas duas décadas que separam as duas conferências tudo mudou no Rio, no Brasil e no mundo.
Se 1992 foi um bom ano para o mundo e ruim para o Rio, como diria um enólogo, em 2012 a situação se inverteu. Há duas décadas, a cidade vivia o auge do domínio do tráfico — com várias guerras entre morros e facções criminosas. O Brasil estava prestes a decretar o primeiro e único impeachment da sua história — o então presidente Fernando Collor caiu em setembro, três meses depois da Rio 92. O país tinha uma inserção internacional inferior à atual. O mundo, por sua vez, vivia um momento especial. A queda do Muro de Berlim, em 1989, o esfacelamento da União Soviética, em 1991, e a visão hegemônica de que novas crises econômicas não estavam no horizonte acabaram criando um ambiente propício para as discussões ambientais. A Rio 92 soube usar e abusar dessas condições favoráveis.
‘Era uma época de otimismo ingênuo’, diz Besserman
— Era uma época que predominava um otimismo ingênuo — lembra o economista e ambientalista Sérgio Besserman, presidente do grupo de trabalho da prefeitura do Rio para a Rio+20.
Não por acaso, a Rio 92 entrou para a história como a conferência ambiental mais importante da ONU. A combinação de um leque expressivo de chefes de Estado e um ambiente propício acabaram levando à assinatura de documentos importantes como a Agenda 21 e as convenções de combate à desertificação; de diversidade biológica; e de mudanças climáticas.
Vinte anos depois, a crise financeira global e a do euro, em particular, além de disputas eleitorais e a retomada do terrorismo — especialmente pós-11 de Setembro — minaram o “otimismo ingênuo”, salientado por Besserman. A menos de um mês da Rio+20, a conferência ainda não conseguiu angariar pesos pesados. A chanceler alemã, Angela
Merkel, o premier britânico, David Cameron, e o presidente dos EUA, Barack Obama, não virão, embora tenham confirmado presença no México, onde ocorrerá, às vésperas da conferência, a reunião do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo).
À frente de um país como a Alemanha, que, a exemplo de outros nórdicos, tem projetos ambientais relevantes, a ausência de Merkel sinaliza um certo descrédito em relação à capacidade de a Rio+20 tomar decisões relevantes. Obama, por sua vez, está tão envolvido com sua própria reeleição, que prefere não se comprometer com discussões ambientais e questões a longo prazo, que, no raciocínio eleitoral, em nada o ajudarão a permanecer na Casa Branca.
Desistência à parte, as Nações Unidas já apontam a Rio+20 como “a maior conferência da história”. Os números confirmam a tese: 183 chefes de Estado e mais de mil eventos paralelos, além de serem esperadas cerca de 50 mil pessoas. Só que, fora do Itamaraty e da ONU, o temor é de fracasso, porque o ambiente econômico e político mundial não é propício à discussão sobre aquecimento global, economia verde e novas formas de produção e consumo.
Se o clima no mundo piorou, no Brasil e no Rio a virada foi para melhor. O país foi catapultado à sexta economia do mundo e assumiu um protagonismo nas relações internacionais nunca antes visto. O Rio, que está prestes a se tornar novamente o centro mundial das discussões sobre sustentabilidade, está três vezes menos violento do que quando a cidade sediou a Rio 92. Naquela época, o Rio ostentava o título de uma das cidades mais violentas do Brasil e do mundo, com taxa de 64,57 homicídios por cem mil habitantes. Hoje, passado 20 anos, esse percentual caiu para 22,2 por cem habitantes.
Para garantir a segurança das 50 mil pessoas que estiveram na Rio 92, o governo federal montou uma estratégia de guerra. O temor, na época, era das facções criminosas. O Exército colocou cerca de dez mil soldados e dezenas de tanques nas ruas para cercar os morros e bairros da cidade. Enquanto o então governador Leonel Brizola inaugurava, a toque de caixa e sem licitação ou estudo de impacto ambiental, 7,2 quilômetros do primeiro trecho da Linha Vermelha, entre a Ilha do Governador e São Cristóvão. A preocupação era evitar que os 116 chefes de Estado passassem pela Avenida Brasil, margeada por favelas, onde quadrilhas disputavam o domínio do tráfico de drogas.
Hoje, o medo mudou de categoria. Em parte porque, em 20 anos, ocorreu uma revolução tecnológica. Na Rio 92 sequer havia celular. Hoje, os sistemas de banda larga garantem a transmissão em tempo integral para qualquer parte do mundo. E como toda a documentação da conferência será digital e, logo, precisará ser protegida, está nos planos do governo e das Nações Unidas contar com militares especializados em defesa cibernética.
‘Psicologia de que desmatamento passado tomou Brasília’
Em tempos de ciberespaço e vida on-line, a Rio+20 poderá ter protestos à distância. Se a crise econômica inviabilizar, por exemplo, a vinda de membros da Primavera Árabe, dos Indignados da Espanha e do Movimento Ocupe Wall Street, dos EUA, o ambientalista e coordenador do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (Fboms), Carlos Henrique Painel, diz que o protesto poderá ocorrer virtualmente. A Cúpula dos Povos está convocando um protesto global durante a Rio+20 para cobrar a implementação de modelos ecológicos populares já existentes como também para repactuar uma nova agenda de lutas globais.
Na Rio 92, os protestos foram todos em terra firme, até porque nem existia celulares em profusão e muito menos redes sociais para fazer convocação à distância. Havia 11 mil celulares no Rio, dos quais mil deles foram reservados, na época, para atender às delegações da conferência. Hoje, o Rio tem três milhões de aparelhos celulares funcionando na cidade. A falta de tecnologia não impediu, no entanto, a Rio 92 de aproximar inimigos históricos. O então presidente americano
George Bush, pai, e o líder cubano Fidel Castro chegaram a dividir o mesmo espaço, no Rio. Só que, fora das reuniões oficiais da conferência, enquanto Bush era alvo de protestos — o antiamericanismo estava em alta, assim como o repúdio à intransigência de Bush em assuntos ecológicos — Fidel acabou sendo o chefe de Estado mais aplaudido. Por exigência da ONU, Fidel foi obrigado a, contrariando sua prolixa retórica, encurtar o discurso.
Se, aparentemente, a Rio 92 foi um sucesso absoluto, nos bastidores da conferência ocorreram incidentes diplomáticos que, por pouco, não comprometeram o sucesso da conferência. O convite da Cúpula dos Povos ao líder religioso Dalai Lama irritou a China. Os líderes de Pequim chegaram, inclusive, a ameaçar não virem ao Rio. O governo brasileiro teve que interceder: Dalai Lama veio na condição de líder espiritual e foi despachado antes de os chefes de Estado desembarcarem na cidade.
Só não foi possível ao governo brasileiro dar o seu “jeitinho” para abafar as críticas que sofria, à época, por causa das altas taxas de desmatamento na Amazônia. Os índices eram alarmantes: 13,7 mil quilômetros quadrados por ano, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe). Em 2011, ainda segundo o Inpe, o país registrou o menor índice desde 1988, ano da primeira pesquisa do Programa de Monitoramento do Desmatamento (Prodes). Foram registrados, no ano passado, um desmatamento de 6,2 mil quilômetros quadrados.
— A psicologia de que o desmatamento é do passado e que tudo está sob controle vem tomando conta de Brasília. Mas o desflorestamento continua alto e pode subir. O governo pensa que pode ficar livre para fazer estradas e barragens em todas as áreas da Amazônia e ainda espera que o desmatamento não ocorra — criticou Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Com a proximidade da Rio+20, o pesquisador diz que os números são positivos para a imagem do Brasil na conferência, mas chama a atenção para outros problemas, igualmente graves:
— Código Florestal, obras como a BR-319, Belo Monte, a desmoralização do processo de EIA-RIMA após as hidrelétricas da Amazônia. Numa iniciativa inovadora na história das Conferências da ONU, a Rio+20 contará com convidados de diferentes países, que debaterão dez temas. O resultado das discussões vai chegar às mãos dos chefes de Estado, responsáveis por determinar os passos para o futuro. Os dados mostram que a situação é grave: desde a Rio 92 até agora, a temperatura global aumentou em média 0,4 grau Celsius até 2010 e o nível do mar subiu 2,5 milímetros, por ano, até o ano passado.
— Não temos um minuto a perder — chegou a admitir, numa reunião recente, em Nova York, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Fonte: O Globo


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