segunda-feira, 25 de junho de 2012

Famílias moram na beira de cursos d’água sob ameaça de poluição e enchentes


 “Os rios do Rio” mostra um panorama da degradação no estado

Á espera de programa sociais

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QUINTAL RIBEIRINHO: a dona de casa Janaína da Silva e seus filhos fizeram da margem do Rio Sarapuí uma extensão de sua casa, na favela São Marcos, em Meriti Foto: Pablo Jacob



QUINTAL RIBEIRINHO: a dona de casa Janaína da Silva e seus filhos fizeram da margem do Rio Sarapuí uma extensão de sua casa, na favela São Marcos, em MeritiPablo Jacob

RIO - Pedaços de madeira falseiam barracos. Às vezes há casas de tijolos, mas mal acochambradas. E, diante da porta ou das janelas, um rio de esgoto e lixo é a ameaça constante de enchentes e doenças. Na favela Canal do Anil, em Jacarepaguá, cerca de cinco mil moradores vivem em condições subumanas. E, com luxuosos condomínios da Barra e instalações olímpicas por perto, a vida ali parece que vai afundar a qualquer momento. Situação semelhante é enfrentada por uma numerosa população ribeirinha, que se espalha às margens de rios em todo o estado.
No Canal do Anil, poucos centímetros separam o piso do lar do quitandeiro Moisés Vieira da putrefata água do rio. No meio da casa, um corredor se abre para o canal, bem perto de onde canos despejam mais esgoto no rio. A família inteira mora numa espécie de sobrado de madeira, com dois andares que desafiam a lógica da engenharia.
— Eu mesmo construí. Tenho muito orgulho disso. Meu esgoto vai para o rio, porque é como faz todo mundo aqui. Nunca ninguém veio à comunidade fazer ligação de esgoto — afirma Moisés, que diz sonhar com a promessa de ganhar uma casa do governo. — Há cinco anos, um funcionário da prefeitura cadastrou minha família para receber uma casa em outro lugar. Só saio daqui se tiver algo certo.
Anos à espera de programa sociais
A história de Moisés retrata uma dura realidade da ineficácia das políticas habitacionais no estado. Como resultado, os mais pobres se deslocam para áreas de risco, como encostas e beiradas de rio. Quando enxergados por programas sociais que prometem realocá-los, muitas vezes esperam anos sem ver uma solução. Apesar do grande problema social, o IBGE não contabiliza, de forma segmentada, a população ribeirinha em seus censos.
No Complexo de Manguinhos, a apenas oito quilômetros do Centro do Rio, 18 comunidades ficam encravadas à beira dos rios Jacaré e Faria-Timbó e do Canal do Cunha. Ali, de acordo com o censo feito pelo governo do estado em 2009, a população no conjunto de favelas é de cerca de 31 mil pessoas. Mas não se sabe quantos vivem à beira dos três cursos d’água.
Na entrada dessas favelas, a pobreza já se apresenta. Mas é nas margens dos rios que a miséria revela um contexto assustador. Moradora de um barraco suspenso por madeiras improvisadas, bem perto das águas do Faria-Timbó, em Mandela I, Carmem Lúcia Mendonça, que está desempregada, vai aos prantos ao relatar seu dia a dia.
— É tudo muito precário. Minha casa é invadida por ratazanas imensas, lacraias, aranhas e mosquito — diz Carmem, que, a cada chuva, fica tensa, com medo de a casa cair na água. — Minha filha vai me dar uma neta. E queria sair daqui antes de ela nascer. Mas não vejo como. Os políticos me prometeram casa. Faz cinco anos. Até agora, nada.
Na Mandela I, quem estima o número de moradias à beira-rio é a associação de moradores local: em torno de mil domicílios. Já na Mandela de Pedra, num trecho conhecido como Avenida Atlântica, 60% dos moradores foram remanejados, sobretudo, para um conjunto habitacional do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O restante continua à espera de uma casa nova. Três anos atrás, a previsão inicial, do estado, era de que o lugar se transformasse numa via ligando a Avenida Leopoldo Bulhões à Avenida Brasil. Agora, a promessa é de implantar um parque.
A ideia de criar áreas de lazer à beira-rio é uma diretriz do Projeto Iguaçu, do PAC, que, também com alguma descontinuidade, visa a reassentar as famílias instaladas próximas aos rios Sarapuí, Iguaçu e Botas, na Baixada. Ao coordenar um estudo sobre o projeto, Adauto Cardoso, pesquisador e professor do Observatório das Metrópoles do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ, constatou que, em áreas pobres, quanto mais perto do rio, mais precária é a vida:
— Na beira dos rios, encontramos famílias com condições de renda mais precárias, pouca escolaridade e mais desestruturadas.
No Projeto Iguaçu, cerca de 1.500 residências foram retiradas de áreas de risco. Mas ainda há milhares de famílias às margens dos poluídos rios da Baixada. Só nas proximidades do Sarapuí, segundo levantamento feito a partir da base cartográfica do Censo 2010 do IBGE, são 16 comunidades, com uma população de aproximadamente 19 mil pessoas.
Mãe de sete filhos pequenos, a faxineira Janaína da Silva mora numa delas, a favela São Marcos, em São João de Meriti. As margens cheias de lixo e esgoto do Sarapuí são o quintal de sua casa. É ali que as crianças brincam e tomam banho de mangueira, já que na casa de Janaína não há chuveiro instalado. Sem muitas opções de lazer, quando faz muito calor é que surge uma de suas maiores preocupações: as crianças acabam pulando no rio.
— Fico desesperada, porque, além de ser um rio muito sujo, costumo ver corpos levados pela correnteza — afirma Janaína.
As declarações da faxineira revelam o outro lado de algumas comunidades à beira-rio: a violência. Em outra localidade do Sarapuí, Nova Jerusalém, em Duque de Caxias, uma mulher que não quis se identificar resolveu concretar a janela de sua casa que dá para o rio:
— Estava traumatizada de ver tantos corpos boiando no rio. Até pessoas ainda vivas, agonizando, já vi passar.
Até alguns diques foram ocupados
Perto dali, ficam algumas das favelas mais violentas da Baixada, conhecidas como Dique I e II. O abandono do poder público permitiu o domínio do tráfico, como pode ser ilustrado pela própria localização dessas comunidades. Nessas áreas, depois da grande enchente de 1988, que deixou 277 mortos e dois mil desabrigados no estado, foram construídos diques e canais às margens dos rios, a fim de escoar a água das cheias. Mas o sistema que deveria atenuar as enchentes acabou tomado por barracos.
Morador de Nova Iguaçu, o educador Aércio Barbosa de Oliveira, da ONG Fase, que atua na Baixada, lembra que os diques são do início dos anos 1990:
— O déficit habitacional da região levou famílias a ocuparem esses diques, pouco tempo depois de serem construídos.
Jorge dos Santos mora com a mulher e a filha num cômodo praticamente dentro de um dos canais do Sarapuí, na Dique I, em Caxias. Madeira, pneus, pedaços de telha de amianto e alguma estrutura de alvenaria sustentam a casa. A impressão, porém, é de que ela vai desmoronar.
— Aqui quando chove é um inferno — diz Jorge, que surpreende ao contar o que faz para sobreviver: — Faço ligações de água e esgoto a quem me pedir, para sustentar minha família.
Mas nem sempre são barracos como o de Jorge que ocupam margens de rios. O atual Código Florestal diz que, em faixas marginais, consideradas Áreas de Preservação Permanente (APPs), as construções devem estar a, no mínimo, 30 metros do leito. Mas em Rio das Pedras, prédios de até cinco andares, em alvenaria, estão sendo construídos na beira do rio. Mesmo com uma aparência de maior segurança, novamente se misturam péssimas condições sanitárias com a ameaça de enchentes.


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Fonte: o Globo

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