quinta-feira, 28 de junho de 2012

Cedae abastece de água 64 municípios, mas só cuida do saneamento de dois

Quanto aos outros, o tema se transforma numa Torre de Babel; alguns defendem que responsabilidade do esgoto é da empresa

Um ferro-velho às margens do Rio Botas, poluído por esgoto, em Belford Roxo: a prefeitura diz que o saneamento na cidade cabe à Cedae, mas a companhia nega
Foto: Custódio Coimbra / O Globo
Um ferro-velho às margens do Rio Botas, poluído por esgoto, em Belford Roxo: a prefeitura diz que o saneamento na cidade cabe à Cedae, mas a companhia negaCustódio Coimbra / O Globo
RIO - Cano abaixo, o morador do Rio pouco sabe sobre o destino do esgoto que produz. E mais complicado pode ser descobrir de quem é a responsabilidade de cuidar desses efluentes, muitas vezes despejados in natura nos rios. No estado, a Cedae, quando se trata de esgotamento, é praticamente uma empresa carioca. Presente em 64 cidades no abastecimento de água, a empresa afirma: em relação ao esgoto, só tem convênio com dois municípios: a capital — e mesmo assim com exceção das favelas e da Área de Planejamento 5, na Zona Oeste — e Itaperuna. Quanto aos outros municípios, o tema se transforma numa Torre de Babel.
Pela lei federal 11.445, de 2007, é dos municípios o dever de cuidar do esgoto. Assim, convivem no estado diferentes prestadores do serviço, como as próprias prefeituras, empresas privadas e a Cedae. Nessa diversidade de modelos, sobra espaço para a confusão. Na Baixada Fluminense, Duque de Caxias e Belford Roxo garantem que a responsabilidade pelo esgoto nas duas cidades é da Cedae. A companhia, por sua vez, nega. Enquanto isso, São João de Meriti afirma que, em 2011, pela primeira vez em sua história, assinou convênio com a estatal para o serviço.
— Esgoto é de responsabilidade municipal — diz Wagner Victer, presidente da Cedae. — Em alguns municípios, se conseguirmos viabilizar recursos, vamos até entrar. Estamos entrando pesado em Itaperuna porque é uma grande concentração populacional.
Até o Diagnóstico de Serviços de Água e Esgotos 2010, lançado semana passada pelo Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, indica que a Cedae faria, naquele ano, o esgotamento em 29 municípios, entre eles Caxias, Belford Roxo, Nova Iguaçu e São Gonçalo. E o site da companhia até ontem informava que ela atendia 31 municípios com esse serviço.
Em SP, Sabesp está em 362 cidades
Para Ana Lucia Britto, professora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ, a Cedae não tem mostrado interesse na prestação do serviço de esgotamento. Ela ressalta que, em São Paulo, a companhia de saneamento do estado, a Sabesp, renovou contratos com 362 municípios, onde atua no abastecimento de água e no esgoto. E foi criada a Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo, que fiscaliza os trabalhos da empresa. Regulação que, segundo Ana, existe nos outros estados do Sudeste. No Rio, porém, nem isso há, embora Victer diga que existirá em até 36 meses.
— A Cedae recebeu recursos do PAC para ampliar os sistemas de coleta de esgoto no estado e, sobretudo, na Baixada — diz Ana. — Porém, a maior parte das obras está atrasada. Houve um desperdício de dinheiro público.
Marilene Ramos, presidente do Instituto Estadual do Ambiente Inea), ressalta que a lei de saneamento permite que haja uma diversidade de modelos. Na Região dos Lagos, por exemplo, segundo dados do SNIS, duas prestadoras microrregionais atendiam oito municípios na questão do esgoto. Em cidades como Niterói, Nova Friburgo e Petrópolis, há empresas privadas prestando o serviço. Na Zona Oeste do Rio, em Campo Grande, Santa Cruz e Guaratiba, o serviço também foi privatizado este ano.
Em 26 municípios, o serviço é local, administrado pela prefeitura — justamente em algumas das cidades mais pobres do estado, como Porciúncula e São Sebastião do Alto. Segundo Marilene, para orientar tantos modelos diferentes, o estado deveria ter um órgão incumbido de pensar o saneamento e estruturar a política do setor.
— Por ver que não havia isso, com a Cedae mais localizada na capital, nós fizemos o Pacto pelo Saneamento, com coordenação política da Secretaria estadual do Ambiente. Mas, por conta desses diferentes arranjos, há resistências culturais e corporativas a um modelo único de saneamento. Não podemos intervir na política. Mas, dentro do viável, procuramos ajudar os municípios com soluções técnicas e econômicas adequadas — diz ela.
Diante do quadro aterrador do esgotamento no estado, o secretário do Ambiente, Carlos Minc, propõe, daqui para frente, um consórcio entre grupos de municípios, empresas e comitês de bacias hidrográficas para gerir o saneamento de forma coordenada.
— Os municípios são frágeis para assumir sozinhos o saneamento e as ligações de esgoto — diz Minc.
Enquanto a falta de coordenação impera, o professor Paulo Canedo, do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, afirma que o destino do esgoto é um mistério no estado:
— Eu não sei para onde está indo o esgoto da minha rua. Também não sei se todos os meus vizinhos têm esgoto coletado. Pior: não sei se a rede da minha rua leva o esgoto até uma estação de tratamento ou se o joga numa rede pluvial. Também não sei se o esgoto levado a uma estação é bem tratado. Seria fundamental que cada cidadão soubesse em que situação está o seu esgoto para exercer um controle social sobre a empresa de saneamento.

Fonte: O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário