sábado, 30 de junho de 2012

Canal leva resíduos químicos do tratamento da água à Bacia do Guandu e à Baía de Sepetiba

É perto de Prados Verdes que a Cedae capta a água para o tratamento, a fim de abastecer cerca de nove milhões de pessoas da Região Metropolitana


A saída do valão construído pela Cedae para levar os resíduos do tratamento de água para o Rio Cabenga, em Nova Iguaçu
Foto: Marcelo Piu / O Globo
A saída do valão construído pela Cedae para levar os resíduos do tratamento de água para o Rio Cabenga, em Nova IguaçuMarcelo Piu / O Globo

RIO - A cena assusta. Em frente ao portão de acesso à Estação de Tratamento de Água (ETA) do Guandu, um canal de onde parte uma água cor de ferrugem e com forte cheiro de produtos químicos. Nessa vala, no bairro Prados Verdes, em Nova Iguaçu, a Cedae joga fora toda a sobra do processo que torna potável as poluídas águas do Guandu. E o líquido avermelhado que corre no valão vai direto para um rio, o escuro Cabenga, repleto de esgoto. Arriscada combinação que deságua no Rio Guandu Mirim e, por fim, na maltratada Baía de Sepetiba.
Os produtos químicos vindos do canal da Cedae, somados à poluição do rio, potencializam a piora da água que chega à Baía de Sepetiba. Esses resíduos deveriam ser destinados a um aterro sanitário. E a população ribeirinha precisaria ter seu esgoto ligado a uma rede e tratato — afirma Flávio Mascarenhas, professor de engenharia civil da Coppe/UFRJ.
Até 250t diárias de sulfato de alumínio
Como mostrou a série “Os rios do Rio”, é perto de Prados Verdes que a Cedae capta a água para o tratamento, nas lagoas do Guandu, a fim de abastecer cerca de nove milhões de pessoas da Região Metropolitana. Essas águas, contudo, chegam à captação vindas do barrento Guandu e de rios com grande carga de esgoto, como o Queimados, o Poços e o Ipiranga, que estão entre os de pior qualidade do estado. Assim, são necessárias até 318 toneladas de produtos químicos por dia para torná-la apta ao consumo. Só de sulfato de alumínio, apontam dados da Associação de Empregados de Nível Universitário da Cedae, são 250 toneladas diárias. E todo o lodo retirado da água, junto com os resíduos desses produtos químicos, vão parar no valão e, depois, no rio.
Diretor de operações da Cedae, Jorge Briard admite o despejo. Mas afirma que a água jogada fora tem menos poluentes que a captada nas lagoas do Guandu. Uma prática, entretanto, que ele reconhece não ocorrer em outros países, como os Estados Unidos e os do norte da Europa.
— Em países desenvolvidos também não existem rios tão poluídos acima da captação de água como os nossos. Mas a água que corre no canal tem menos patogênicos do que as das lagoas do Guandu. Provavelmente não haveria problema algum se banhar nela — diz Briard, afirmando que há projetos para mudar a forma de descarte dos efluentes da ETA. — Chegou-se a cogitar levar essa água para reúso no Complexo Petroquímico do Rio (Comperj).
Enquanto os projetos não saem do papel, o lodo do valão da Cedae forma, no encontro com o Rio Cabenga, pequenas ilhas de barro. As ilhas também surgem quando o Cabenga converge para o Rio Guandu Mirim. Assoreamento que moradores da região associam a alagamentos constantes em bairros como o próprio Prados Verdes, além de São Francisco de Paula e Pero Flor, em Nova Iguaçu.
Informado sobre o assoreamento apontado pelos moradores, Briard disse que há um trabalho constante de dragagem do Cabenga:
— De qualquer forma, vamos checar isso.
Apesar das afirmações de Briard, Márcia Dezotti, coordenadora do Laboratório de Controle de Poluição das Águas, da Coppe/UFRJ, ressalta que o lodo descartado do tratamento tem metais que podem prejudicar não só a saúde humana, mas também a fauna dos rios. O sulfato de alumínio, por exemplo, diz ela, tem sido relacionado ao mal de Alzheimer. Segundo Márcia, os restos desse processo deveriam ser tratados, separando as partículas sólidas e a matéria orgânica. Sobra que, diz ela, deveria ser disposta num aterro ou reaproveitada. Só então, a água poderia ser despejada num corpo d'água.
— O resíduo é responsabilidade da ETA, que deve providenciar o tratamento. Pode não ser uma toxidade absurda, mas sempre há impacto — diz.
As consequências são percebidas por quem vive perto do valão. Dentro do canal da Cedae, destaca o líder comunitário José Feitosa, peixe algum sobrevive. No encontro do canal com o Cabenga até há pescadores. Mas sem fartura de espécies.
— A química mata tudo — diz ele.
Feitosa revela ainda uma contradição: os vizinhos da ETA não têm água potável por rede regular nem coleta e tratamento de esgoto. Segundo ele, a água que abastece cerca de 30 mil casas da região é retirada, irregularmente, de uma tubulação da própria estação da Cedae. Na rua em frente ao principal portão de acesso à ETA, por exemplo, é um cano de apenas três polegadas de diâmetro que distribui água às casas.
— Pegamos a água do cano da Cedae. E quando ocorre algum problema, nós mesmos fazemos a manutenção — diz o servente Israel de Albuquerque, que mora a 20 metros da ETA e ao lado do valão.
Obras de rede do PAC estão paradas
Diante da falta d’água na região, Israel se irrita ao apontar uma tubulação da Cedae, já instalada, mas por onde, segundo ele, nunca passou água. Parte da rede foi construída, mas as obras, com recursos de R$ 20,2 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com execução da Cedae, pararam. A previsão era de que as intervenções estivessem concluídas no mês que vem, atendendo a cem mil pessoas em bairros como Prados Verdes, Pera Flor, Santa Clara do Guandu e São Francisco de Paula I e II. O que, no entanto, está muito longe da realidade.
Outros R$ 20,1 milhões do governo federal deveriam estar sendo utilizados para a drenagem pluvial, o esgotamento sanitário e a pavimentação de parte desses bairros. Algumas ruas até receberam asfalto. Mas nem todas. E uma estação de tratamento de esgoto está em obras, nas quais a descontinuidade dá o tom desde 2009, como confirmaram engenheiros da intervenção, sem se identificar.
Ali em frente o esgoto a céu aberto se acumula nos terrenos das casas. A Cedae, assim, além de captar água com grande grau de poluição acima de sua estação, exibe, abaixo dela, um quadro ainda pior.
— Há cerca de 15 anos, a própria Cedae fabricava tijolos com esses resíduos que sobram do tratamento da água. E hoje Minas Gerais, São Paulo e Paraná já dão destino adequado aos seus resíduos químicos do tratamento — lembra o professor Isaac Volschan, da Escola Politécnica da UFRJ e especialista em saneamento básico.


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Fonte:O Globo



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