domingo, 17 de março de 2013

Passageiros pagam para entrar e rezam para sair ilesos nos ônibus

Além de superlotação e calor, usuários enfrentam uma média de duas colisões por semana no Rio

Passageiros viajam em ônibus lotado da linha 335 (Cordovil-Praça Tiradentes) Foto: Agência O Globo / Pedro Kirilos
Passageiros viajam em ônibus lotado da linha 335 (Cordovil-Praça Tiradentes)Agência O Globo / Pedro Kirilos
RIO - Era fim de tarde, e a copeira Cledinalva Araújo, de 46 anos, só pensava em chegar em casa, na quinta-feira passada, após um dia de trabalho. Ainda mais que ameaçava cair uma forte chuva. No terminal de ônibus da Central do Brasil, ela aguardava há 20 minutos a chegada do 335 (Cordovil-Praça Tiradentes), sua única opção até a Cidade Alta, onde mora. Mais 20 minutos de espera, e a ansiedade da copeira era visível. Ela caminhava de um lado para o outro, como quem cerca uma presa. O medo era que o motorista passasse direto do ponto. Exatos 50 minutos depois, apareceram dois ônibus logo de uma vez — ambos lotados.
O embarque foi só o começo da aventura de Cledinalva e tantos outros passageiros no Rio. Além da demora, o trânsito não ajuda: foram mais 50 minutos para percorrer seis quilômetros, entre a Central e o Caju, no início da pista seletiva da Avenida Brasil, a uma velocidade média de 7,2 km/h — mais lento que um ciclista, que pedala a 20km/h.
Mas chegar à seletiva não significa o fim do suplício de Cledinalva. Até a sua casa, na Cidade Alta, o ônibus leva pelo menos mais uma hora:
— Todos os dias, espero pelo menos meia hora no ponto. Depois que o ônibus chega, não adianta ser o rápido (que vai pela seletiva), porque é engarrafamento puro até em casa.
Depender de ônibus no Rio é um tormento diário: esperas longas, superlotação, o trânsito que não ajuda, motoristas e passageiros estressados e, ainda por cima, acidentes. Segundo levantamento do Corpo de Bombeiros, nos últimos quatro anos, a média foi de quase dois acidentes com vítimas por semana envolvendo ônibus. Em 2011, foram registrados 126 casos; em 2012, 84; e, este ano, já foram 16 até o último 10.
— Quando o trânsito não está engarrafado, os motoristas aproveitam para acelerar. Sem falar quando eles dirigem falando ao telefone. E a maioria não tem paciência para esperar o passageiro embarcar ou desembarcar — criticou a recepcionista Valéria Gomes, moradora de Botafogo que trabalha no Centro.
Em 2012, 3.148 enguiços
Repórteres do GLOBO embarcaram com Cledinalva no 335, do consórcio Internorte, quinta-feira, na Central. Entrar foi difícil, mas a situação piorou a partir do ponto na Leopoldina. A lotação atingiu o máximo e até mesmo as escadas da porta de desembarque foram ocupadas por passageiros.
— Além da superlotação, os motoristas muitas vezes não param no ponto. Sem falar no ar-condicionado que, quando tem, não dá vazão — contou Cristiane Mendes da Costa, cabeleireira, que embarcou na Leopoldina.
A manutenção da frota também deixa a desejar. Para se ter uma ideia, no ano passado, 3.148 ônibus enguiçaram nas ruas da cidade, segundo a Secretaria municipal de Transportes, o que representa 17,7 % de todos os veículos que quebraram em 2012, atravancando ainda mais o trânsito. Este ano, já são 816 coletivos enguiçados, só perdendo para veículos de passeio, que somam 3.060. E as panes mecânicas não são o único transtorno. A produtora cultural Gabriella Villaça, de 24 anos, teve uma surpresa ao embarcar, quarta-feira passada, num ônibus da linha 456 (Méier-Copacabana): o veículo estava sem a tampa da saída de emergência do teto.
— Ônibus com teto solar. O problema é que estava chovendo — criticou.
São muitas as queixas. Em 2012, a Ouvidoria da Secretaria municipal de Transportes recebeu 28.294 reclamações sobre ônibus. Este ano, desde janeiro, já são 7.455. As cinco mais frequentes são não parar no ponto, comprometer a segurança dos passageiros, falta de urbanidade, arrancar ou frear bruscamente e alterar ou não cumprir o itinerário. Para o secretário de Transportes, Carlos Roberto Osório, a “situação é difícil”, mas já foi pior:
— Alguns passos importantes já foram dados. O primeiro em 2011, com a licitação. As mesmas empresas ganharam, mas agora estão organizadas através de consórcios sob uma lógica contratual. Antes era uma situação anárquica.
Segundo o secretário, somente em 2016 a mobilidade do Rio terá solução. Até lá, ele pede paciência aos usuários:
— Trem, metrô e BRT, essa é a nossa espinha dorsal. Com isso, vamos retirar um terço dos ônibus que circulam no Rio até 2016. Sem investimento em sistemas de transporte de alta capacidade, a mobilidade do Rio não terá solução.

Fonte: O Globo

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