domingo, 10 de março de 2013

A caixa-preta dos números da saúde pública do Rio

Ministério da Saúde não detalha déficit de leitos, mas prevê mais 1.002 vagas; para MP, número é insuficiente
Pacientes aguardam atendimento no corredor do Hospital Getúlio Vargas Foto: Vera Araújo / O Globo
Pacientes aguardam atendimento no corredor do Hospital Getúlio VargasVera Araújo / O Globo


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Adolescente espera paciente morrer para conseguir uma maca no HGV Imagens e reportagem de Laura Antunes
Falta de leitos em hospitais públicos


RIO — A estudante Vanúbia Geidislane Oliveira da Silva, de 14 anos, passou 26 horas numa cadeira de ferro, no corredor da emergência do Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, se contorcendo de dores abdominais, à espera de um leito. A adolescente conseguiu uma cama, também no corredor, onde já se concentravam pacientes em 23 macas e cadeiras, depois que uma idosa não resistiu e morreu. Vanúbia, que tinha pedras na vesícula, recebeu alta sem fazer a cirurgia. Só conseguiu se livrar do problema no Hospital Geral de Bonsucesso, após recorrer a conhecidos.
O déficit de leitos nos hospitais públicos conveniados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio é uma caixa-preta. O Ministério da Saúde não divulga os números. Se restringe a dizer que, para 2014, está prevista a criação de mais 1.002 leitos, sendo 428 em UTIs.
Para o Ministério Público Federal, a falta de leitos é bem superior ao número de novas vagas anunciado pelo Ministério da Saúde. Em abril de 2012, as procuradoras da República Aline Caixeta e Roberta Trajano receberam da Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, a informação de que tinham sido fechados 435 leitos — sendo 38 de CTI — em sete unidades federais no Rio. O MPF ajuizou em abril uma ação civil pública contra a precariedade da prestação de serviços e o fechamento de leitos e serviços nos hospitais federais no estado, por falta de recursos humanos.
— Desde então, não há notícia de adequação do número de servidores para assegurar a reabertura dos leitos — disse a procuradora Aline Caixeta.
Outro ponto denunciado pelas procuradoras foi o gasto de verbas públicas pela União em reformas para a ampliação de serviços e o aumento do número de leitos nos hospitais, sem providenciar a contratação de pessoal.
Governo federal reconhece que há perda de recursos humanos
Além da ação civil pública que tramita na 3ª Vara Federal do Rio, cobrando contratações de profissionais de saúde, as procuradoras da República têm questionado a Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, sobre a suspensão de serviços, como o de transplantes no Hospital Federal de Bonsucesso, desde dezembro. Em resposta ao MPF, o governo admitiu que apenas sete transplantes foram realizados em novembro e dezembro na unidade, a única do Rio que faz esse tipo de intervenção: “Presume-se que deixaram de ser realizados 19 transplantes renais”. No ano passado, foram feitos 135 cirurgias deste tipo.
De acordo com o processo, o próprio Ministério da Saúde admite que a capacidade operacional do serviço sofreu alterações “em função basicamente da perda de recursos humanos especializados”. Na última segunda-feira, foi inaugurado pela Secretaria estadual de Saúde o Hospital Estadual da Criança, em Vila Valqueire, para transplantes de rim e fígado de crianças, num prédio cedido pela Rede D’Or.
No HSE, 40% desativados
No Hospital Federal dos Servidores do Estado (HSE), a situação é mais caótica. Dos 450 leitos da unidade, 180 estão desativados (40% do total), pois há uma falta de 68 médicos e 32 enfermeiros. O HSE já foi referência no transplante de fígado, serviço paralisado desde abril de 2011. O Ministério da Saúde informou que, entre 2005 e 2011, contratou temporariamente 1.172 médicos para os hospital federais do Rio.
O quadro não é diferente nas redes estadual e municipal. Só nos hospitais da rede estadual, desde que o sistema de ponto biométrico foi implantado, em 2009, para o controle da entrada dos funcionários, 212 médicos pediram exoneração.
No município, de 2004 a 2012, 2.413 médicos deixaram os quadros por motivo de aposentadoria, falecimento, demissão ou exoneração. A assessoria da Secretaria de Saúde disse que, em contrapartida, contratou 1.954 médicos por meio de concurso público e 4.467 por outras forma de ingresso, como pelo sistema de organização de saúde (OSs). Além disso, 3,2% dos médicos e enfermeiros estão afastados por motivo de perícia.
O secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, diz que a rede municipal não está passando pelo processo de interrupção de serviços, como ocorre na esfera federal:
— Hoje são 300 unidades prestando serviço. Com 1% de ausência, centenas de pessoas ficam sem atendimento. Temos a saúde da família, que desafoga UPAs e hospitais.


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Fonte: O Globo

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