domingo, 9 de setembro de 2012

Falta de médicos desafia novo prefeito do Rio

Para especialistas, solução é valorizar o setor público de Saúde

       
RIO -  Entre as muitas promessas dos candidatos a prefeito do Rio para a área de Saúde, a contratação de médicos é comum a todos os programas de governo, tanto para suprir déficit quanto para reestruturar o sistema. A Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil argumenta que o próximo prefeito não vai herdar déficit, mas “faltas pontuais de médicos”. Especialistas em Saúde ouvidos pelo GLOBO, entretanto, afirmam que ainda faltam profissionais, especialmente pediatras e clínicos gerais. No concurso aberto pela prefeitura, em 2011, essas foram as áreas com mais vagas.


— Temos uma relação adequada de médico/habitante. No entanto, falta médico na rede pública e sobra na privada. Como a gente resolve isso? Só resolve valorizando a rede pública, com um grande investimento simbólico. Por exemplo, hospitais públicos melhores que privados — diz Ligia Bahia, médica e coordenadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS) da UFRJ.
Com orçamento de R$ 4 bilhões para 2012, a pasta gasta cerca de 50% com o pagamento da folha de pessoal, incluindo os médicos estatutários — que no último concurso tinham salário inicial de pouco mais de R$ 1.900 — e os que têm outros vínculos, como os contratados por Organizações Sociais — que recebem cerca de R$ 6 mil ao ingressar na rede.
Candidato à reeleição e líder nas pesquisas, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) promete contratar mais dois mil médicos. A maioria — 55% — será alocada em novas unidades. Eles estarão, por exemplo, nas novas clínicas da Família — 70 estão prometidas. O restante — 45% — vai suprir falhas pontuais, ocupar o lugar dos médicos que vão se aposentar e dos que eventualmente podem desistir do serviço público. Para isso e para os investimentos programados no Plano Estratégico, que vai de 2013 até 2016, a Saúde terá um orçamento de mais R$ 4 bilhões, o dobro de hoje.
— Não há déficit de médicos, mas existe a percepção de que falta quando o usuário vai a determinado local e volta sem ser atendido. Nos últimos anos, a prefeitura saiu de 29 milhões de atendimentos para 42 milhões, contratou cerca de três mil novos médicos e ampliou o programa Saúde da Família. Fomos de 3,5% de cobertura para 35%, e a meta é chegar a 70%. A falta de médicos é pontual — diz Paes.
Ainda que a falta seja pontual, na manhã da última quinta-feira, Rosilane Veloso Alves, de 38 anos, não conseguiu, mesmo tendo uma consulta marcada, ser atendida por um ginecologista no Hospital Municipal da Piedade, na Zona Norte. Rosilane tem seis miomas no útero:
— Primeiro, a consulta estava marcada para o dia 5, daí pediram que eu voltasse hoje (dia 6). Agora, remarcaram para o dia 20.
Procurada, a direção do hospital negou, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde, que não houvesse médicos atendendo.
Candidato do DEM, Rodrigo Maia aposta em concurso público para contratar “três mil médicos para organizar o sistema e acabar com o déficit”. Segundo Maia, só é possível ampliar a rede depois que esses profissionais estiverem contratados.
— Acredito que déficit se resolva com concurso público. Mas, a curto prazo, proponho que, se falta pediatra, por exemplo, na Zona Oeste, que a prefeitura contrate consultórios na região para atender quem precisa — explica Maia, que diz ainda não ser possível estimar o custo das medidas antes de “assumir e ver a situação financeira da cidade” e faz a ressalva de que concurso público vai resolver o problema a médio e a longo prazo.
Para Marcelo Freixo (PSOL), “a falta de médicos é real” e é preciso convocar concurso público. Ele quer ainda acabar com as OS, mas diz não saber quantos médicos seriam necessários para colocar a promessa em prática e ainda suprir o déficit:
— Não sei quantos médicos faltam em cada especialidade porque isso é uma caixa preta. E também não estimo a quantidade de médicos necessária na rede porque prefiro decidir quando tiver acesso aos perfis das unidades. Agora, não vai faltar orçamento, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal permite um gasto com os servidores de R$1,5 bilhão a mais do que o atual.
Otavio Leite, que concorre pelo PSDB, também acredita ser necessário um novo concurso público, mas aposta na integração da prefeitura com as universidades de medicina para ampliar o número de médicos e ainda na criação de uma universidade de Saúde na Zona Oeste:
— Vamos ainda fazer concurso para dois mil médicos, para não precisar mais de dois mil médicos de OS.
Segundo Ligia Bahia, a criação de uma universidade municipal é “inviável”:
— Nós não temos universidade municipal e isso é uma prerrogativa do MEC. Então, teria que mudar esse sistema inteiro.
O último concurso público foi realizado pela prefeitura em 2011, e oferecia 1.700 vagas. Dessas, 900 eram para pediatria, clínica médica e ginecologia/obstetrícia. No total, 554 vagas foram preenchidas. Mas, nas três especialidades, apenas 191 foram ocupadas. No entanto, segundo a Secretaria de Saúde, o fato de todas as vagas não terem sido preenchidas “não significa ausência de médicos ou a inviabilidade do serviço oferecido à população”.
Professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Laura Macruz lembra que, em várias pesquisas, a população já apontou que “buscar atendimento e não encontrar médico é gravíssimo”.
— Mesmo que entidades digam que não enfrentam a questão (do déficit), o fato é que falta médico, e não é só no Rio. E nem apenas por uma questão salarial. O número de interessados em pediatria tem caído. E o setor público compete com o privado. Se não for oferecido salário compatível e condições de trabalho razoáveis, não fixa o médico.
A rede gerida pela prefeitura, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), tem 296 unidades.

Fonte: O Globo

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