quarta-feira, 23 de maio de 2012

Pacote do governo ignora prejuízos ambientais, apontam especialistas

Medidas de estímulo econômico ignoram problemas de mobilidade urbana no Brasil

RIO — Com o temor de que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresça menos do que 3% este ano, o governo fez, por meio de redução de impostos, um chamado aos brasileiros: comprem mais automóveis. O imposto sobre produtos industrializados (IPI) de veículos com motores 1.0 ficará zerado e os financiamentos facilitados até o fim de agosto. Em troca de deixar de receber R$ 2,7 bilhões em impostos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, espera aquecer a economia. Especialistas em transportes dizem que, além de prejuízos ambientais com mais emissão de CO2, a medida ignora os sérios problemas da mobilidade urbana no país.

Não é difícil perceber que os horários de congestionamento têm começado mais cedo e terminado mais tarde. Em 2020, segundo projeção do professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ Paulo Cezar Ribeiro, serão 500 carros para cada grupo de mil habitantes. O professor diz que a medida do governo, por mais que tenha apoio de muitos consumidores interessados em comprar carros, foi tomada sem preocupação com o transporte público e o investimento em infraestrutura.
— Ninguém faz isso à toa. Os níveis de renda devem estar menores e detectaram redução nas vendas. Mas, se por um lado, a indústria automobilística gera uma quantidade grande de emprego, por outro é preciso se preocupar com a oferta de sistemas alternativos ao transporte individual. As vias estão cada vez mais congestionadas. Quando chegarmos a 2020, certamente teremos que correr atrás de melhorias para o transporte público — afirma Ribeiro, completando:
— São Paulo corre atrás desesperadamente. Há mais gente no transporte particular do que no público. Os cariocas ainda estão mais no público do que no particular, mas, aos poucos, vão migrando. As ruas estão cheias de pessoas saindo dos ônibus para os carros. As linhas Vermelha e Amarela e a Avenida Brasil estão piores.
Segundo outras projeções de Ribeiro, até 140 milhões de carros e motos circularão nas ruas brasileiras daqui a 20 anos, em 2032, quase o triplo de hoje. De acordo com dados do Denatran, 56,3 milhões de carros e motos trafegam no país. O estado de São Paulo, sozinho, responde por 17,9 milhões dos carros e motos. É nesse contexto que o professor titular de logística da UFRJ Paulo Fleury cita o poder das indústrias automobilísticas. Para ele, não há indústria no país com tanta proteção quanto a que produz veículos.
— A indústria automobilística vive tendo condições especiais. É a com maior lobby no Brasil, e isso vem de décadas. Durante o governo Collor, fiz uma análise sobre a rentabilidade de vários setores. De longe, o setor automobilístico tinha os melhores índices. Mas, na época, já brigavam por benefícios de IPI. Hoje em dia, as empresas do setor não publicam mais suas rentabilidades, apenas as receitas. Assim, não ficam vulneráveis a críticas. É um setor que não precisa e está tendo permanentemente vantagens, trazendo custos para a sociedade, como engarrafamentos e emissão de CO2 — aponta Fleury. O professor também cita outras áreas que poderiam ser atendidas por medidas do governo.
— A demanda para o setor do cimento, por exemplo, tem caído porque muitas obras anunciadas para o PAC estão paradas. Os setores de infraestrutura, energia elétrica e construção civil também poderiam ter mais benefícios. Enquanto isso, gastamos mais tempo para nos deslocar. O professor Paulo Cezar Ribeiro completa:
— É uma medida boa (reduzir impostos de veículos) para garantir níveis de emprego e crescimento, porque alavanca uma cadeia de consumo, mas deveriam se preocupar também com a melhoria do sistema de transporte público.
 Fonte: O Globo

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