quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Reunião realizada pelo governo do Rio, para discutir a CSA, termina em tumulto




A instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) pela ThyssenKrupp na região de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, virou uma novela, de potência dramática inédita na teledramaturgia brasileira. Vez ou outra, os capítulos mais tristes são reexibidos, para desespero de espectadores que não optaram por assistir a essa história. Na última terça-feira (20), ocorreu um dos episódios mais melodramáticos. Porém, ao menos dessa vez, o final foi feliz para os que resistem.
O secretário estadual do ambiente, Carlos Minc (PT), marcou uma reunião na região para prestar contas à população do que estaria sendo feito. Minc vinha sendo criticado por ter faltado a três convites na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), realizados pela Comissão Especial de investigação das denúncias contra a empresa, formada pelos deputados estaduais Paulo Ramos (PDT), Janira Rocha (PSOL) e Lucinha (PSDB). Vista pelos movimentos sociais como o mecanismo encontrado para se moldar uma falsa democracia, a reunião contou com a presença da presidente do Instituto Estadual do Ambiente, Marilene Ramos, entre outras autoridades, todas favoráveis ao empreendimento.
O encontro foi marcado para acontecer no Colégio Estadual Erich Walter Heime, construído com recursos da CSA – o logotipo da empresa está gravado nas paredes da instituição. Foi uma reunião turbulenta do início ao fim. Com os manifestantes protestando a menos de vinte centímetros da mesa, com faixas, gritos e apitos, os discursos – todos favoráveis ao reparo dos danos para legitimação do empreendimento – foram feitos aos berros no microfone. Ao fundo, uniformizados, trabalhadores da empresa, cujos movimentos eram orientados por duas pessoas, aplaudiam os discursos.
Logo no início de sua fala, Minc tentou eximir os presentes de responsabilidade. “Essa licença não foi dada em nosso tempo”, disse, admitindo implicitamente que ela não deveria ter sido concedida. “As pessoas ficam criticando porque eu não venho falar. Quando eu venho, elas reclamam”, protestou. Como a CSA não conseguiu aprovar a licença definitiva de operação, em virtude da resistência popular e do acúmulo de denúncias, e a autorização provisória está expirando, Minc planeja conceder um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) administrativo, com o suporte do Inea. Com isso, a CSA seguiria operando.
“A licença de operação não será dada enquanto a empresa não der uma resposta a todas as irregularidades”, alegou Marilene Ramos. Em meios a forte protesto, com muita dificuldade para falar, ela exibiu uma apresentação apontando quais seriam os problemas a ser corrigidos, essencialmente no sistema de filtros e na lingotadeira, que teria apresentado um problema de projeto. Segundo Marilene, depois de resolvidos os problemas, a empresa pretende operar “abaixo dos padrões que a OMS (Organização Mundial de Saúde) considera seguros”.
Entretanto, ao longo da semana, circulou informação de que a empresa tende a aumentar o volume de poluição na capital em 67%, e no Estado em 15%. Fernanda da Silva, a primeira moradora a falar, pediu para reexibir a apresentação de Marilene, para perguntar: “a empresa não sabia que precisava disso?”. Os convidados também apresentaram o planejamento de se fazer uma auditoria ambiental, para a qual teria sido contratada a empresa Conestoga, e uma auditoria de saúde, a ser feita pelo Fundacentro, do Ministério do Trabalho. Foram apresentados também supostas medidas para a região de São Fernando, para reduzir o problema com a enchente causado pelas obras da empresa.
O líder dos moradores atingidos pela CSA, Rodolfo Lobato, se negou a sentar à mesa. Quando foram permitidas as falas, dirigiu-se aos trabalhadores da CSA, dizendo: “estamos juntos”. Eles esboçaram aplaudir, até serem contidos pelas duas pessoas que orientavam suas reações. Rodolfo prosseguiu. “Nós não reconhecemos essa reunião, nem a forma como ela foi construída. A forma como o senhor (Minc) traz a reunião para a escola da CSA é irresponsável. Nesse momento, estamos nos retirando, todos, em repúdio”, disse. Em seguida, os manifestantes deixaram a reunião, que, esvaziada, prosseguiu por cerca de meia hora. Os manifestantes interpretaram o fato como uma vitória.
Sequência de tragédias
O processo de instalação da empresa foi polêmico desde o início. As concessões ambientais foram concedidas de forma suspeita, e os impactos na Baía de Sepetiba começaram já durante as obras. Cerca de 8 mil pescadores tiveram sua atividade profissional semi-inviabilizada. Dejetos poluentes lançados na Baía pela antiga empresa Ingá, cujos danos já vinham sendo revertidos pela natureza, foram revolvidos no fundo da Baía e voltaram a causar problemas.
Com o início da operação da empresa, no primeiro semestre de 2010, os problemas apenas aumentaram. A CSA passou a emitir poluentes em volume impensável. Os danos à pele e à respiração aumentaram em nível incomum – problema maior na região, pela ausência de serviços hospitalares. Na região de São Fernando, as obras geraram constantes incidências de enchente. Já era possível imagina que esses danos surgiriam, uma vez que o empreendimento não foi aceito na Alemanha, país sede da ThyssenKrupp, pelos impactos socioambientais que fatalmente causaria.
A empresa enfrenta as acusações com uma campanha massiva de propaganda, inflada pela construção de escola e realização de eventos. Medidas que poderiam ter sido facilmente arcadas pela própria prefeitura do Rio, se não fosse a significativa isenção de impostos à empresa, que pode chegar a R$ 700 milhões anuais – dinheiro suficiente para construir dezenas de escolas. O próprio prefeito da cidade, Eduardo Paes (PMDB), já veio a público criticar a CSA, lamentando, inclusive a não criação de empregos – mesmo tendo sido ele o responsável pela isenção de impostos, uma de suas primeiras medidas como prefeito. Minc é um dos candidatos mais fortes do PT a vice de Paes na luta pela reeleição, em 2012.
(*) Reportagem publicada originalmente no Brasil de Fato.

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