Na Europa, forte repercussão das acusações contra a TKCSA
Desconhecidas dos brasileiros, agressões sócio-ambientais promovidas no Brasil pela ThyssenKrupp ganham amplitude na Alemanha
17/03/2010
Leandro Uchoas
do Rio de Janeiro (RJ) – Brasil de Fato
Foi melhor do que se esperava. Depois de três anos de denúncias, uma excursão pela Europa finalmente trouxe à luz as várias arbitrariedades cometidas durante a construção da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA). Desde 2006, movimentos sociais e organizações não governamentais denunciavam a enorme devastação ambiental e a destruição de comunidades tradicionais causadas pela transnacional na baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro.
Embora a obra tenha sido embargada duas vezes, as violações jamais chegaram à opinião pública brasileira com a intensidade que mereciam. Na Alemanha, as denúncias entraram no coração da empresa e ganharam as manchetes dos principais veículos.
Ainda em novembro, a articulação de movimentos sociais brasileiros conseguiu organizar uma audiência pública no Parlamento Europeu. O forte bloqueio midiático às denúncias contra a TKCSA no Brasil era rompido na Alemanha. Com a ajuda de organizações sociais e ONGs europeias, e do partido alemão Die Linke (“A Esquerda”), organizou-se a excursão à Europa. A partir das denúncias iniciais, os brasileiros ganharam aliados importantes, como parte da base de um dos maiores sindicatos alemães, o IG Metall.
“Acionistas críticos”
Porém, os principais aliados foram ativistas conhecidos como “acionistas críticos”. Trata-se de uma organização de pessoas que compram ações de empresas para ter o direito de entrar em suas assembleias e protestar.
Convencidos pelas flagrantes denúncias, os acionistas críticos compraram ações da ThyssenKrupp e organizaram a atuação no Encontro Anual de Acionistas da empresa, em 21 de janeiro, em Bochum, na Alemanha. Na atividade, deram voz aos brasileiros. Dentre eles, falaram Karina Kato, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), e o pescador Luís Carlos de Oliveira, que era a principal liderança da categoria até ser ameaçado de morte e ter de fugir.
Discursando no coração da empresa, os brasileiros levaram ao conhecimento dos acionistas, e de toda a Alemanha, as acusações contra a TKCSA. Karina relatou uma por uma das acusações, incitando a empresa a respondê-las. Mesmo o documento enviado pela empresa anteriormente, em resposta às denúncias – provavelmente por desconfiar da ação – foi amplamente questionado.
“A TKCSA afirma [no documento] que não existe turismo na Baía de Sepetiba. No entanto, no Estudo de Impacto Ambiental, a empresa reconhece o turismo, a agricultura e a pesca como as principais atividades da região impactada pela siderúrgica”, disse Karina na ocasião.
O relato de Luis Carlos emocionou a muitos dos presentes. Cadeirante, ele narrou sua atuação na liderança da resistência, nos primeiros anos do projeto. Ameaçado por integrantes de uma milícia, um dos quais o pescador posteriormente reconheceu entre os representantes da empresa numa audiência pública, vive foragido, há um ano longe da família. Ao final de sua fala, Luis Carlos ofereceu um peixe de pelúcia ao chairman da empresa, Ekkehard D. Schulz, “o único peixe que se está podendo pescar”. O executivo recebeu o presente e estendeu a mão para cumprimentar o pescador. Luis Carlos se negou.
Fragilidade legal
Membro diretivo da Rede Alemã dos Grupos de Solidariedade ao Brasil, o alemão Christian Russau questionou a falta de monitoramento da qualidade da água na região impactada pela siderúrgica. Segundo ele, o procedimento seria elementar se o empreendimento estivesse se instalando na Alemanha.
Tal análise era realizada pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea), que parou de fazê-la dizendo que a ThyssenKrupp assumira o papel. A empresa, por sua vez, diz que quem faz o monitoramento é o instituto alemão Tutec, mas que este não publica os resultados. “Sindicalistas de base da ThyssenKrupp, da cidade de Duisburg, nos contaram que a diretoria, em assembleia, há alguns anos atrás, dizia descaradamente que no Brasil há menor rigidez ambiental”, conta Christian.
A transnacional declarou que todas as denúncias eram infundadas, com argumentos considerados frágeis. Ela defende que, por ter recebido aval do governo brasileiro, os protestos teriam que ser feito junto aos governantes. “Nós respondemos que a gente reconhece a responsabilidade do governo brasileiro, mas isso não tira a da empresa”, afirma Karina.
Um dia antes, a TKCSA já havia tentado impedir Luis Carlos de falar na assembleia, através de um telefonema. “O chefe de Relações de Investimento e um assessor jurídico ligaram para o gerente dos acionistas críticos perguntando se Luis Carlos sabia falar alemão, alegando que na assembleia só se pode falar o idioma”, conta Christian. Os acionistas disseram que tinham o direito legal de dar voz ao pescador.
No dia 27, os ativistas foram chamados a uma audiência pública no Bundestag (parlamento alemão), por iniciativa da Comissão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico local. Nesses seis dias de intervalo entre o Encontro dos Acionistas e a audiência, a empresa preparou uma brochura com explicações sobre o projeto e supostos programas sociais da ThyssenKrupp no Brasil. Três executivos foram do Brasil para a Alemanha. Novamente, a empresa alegou que as denúncias seriam infundadas, e que se reclamasse ao governo brasileiro.
Comissão internacional
Então, Karina declarou: “Já que as denúncias são infundadas, por que a gente não forma uma comissão internacional, de especialistas indicados por ambos os lados, com acesso ao canteiro de obras e aos documentos, para verificar as acusações?”. Constrangidos, os executivos mudaram de assunto. Já como resultado da audiência, ficou fixado que uma comissão de parlamentares alemães visitará a empresa, possivelmente no segundo semestre. A deputada alemã do Die Linke, Gabriele Zimmer, parceira antiga dos ativistas, pretende trazer uma delegação ao Brasil. Também se comprometeu em traduzir para o alemão todo o material das denúncias.
“Essa ação fez com que a gente se libertasse de encabeçar esse processo. Outros o tomaram nas mãos e o levaram. Eu acho que o lado internacional está muito fortalecido. Precisamos agora fortalecer o local. É o mais difícil agora. O ciclo de debates do ano passado ajudou a envolver os pescadores, mas não suficientemente”, avalia Ana Garcia, da Fundação Rosa Luxemburgo, que integrou a equipe de brasileiros. Os ativistas pretendem, agora, ampliar a atuação na baía de Sepetiba. Nesse sentido, uma cartilha de conscientização está sendo desenvolvida pelo Pacs.
Mas não é apenas o movimento social brasileiro que elabora suas estratégias. Enfurecida com os resultados da excursão, a empresa também promete atuar. “Se a CSA vier a ser obrigada pela lei a instalar filtros para proteção ambiental, por exemplo, ela vai fazê-lo, e depois dizer que reduziram as emissões, para vender isso no futuro mercado de carbono. Terceiros vão pagar por isso. E ainda vão fazer propaganda de ‘responsabilidade ambiental’”, avalia Christian. O ano de 2010 promete ser agitado na região. (colaborou Gilka Resende)