Nunca me filiei a nenhum partido político, justamente para ter independência em minhas opiniões e honestidade nas coisas que escrevo. Na eleição de 1989, o País teve opções das mais variadas para eleger o primeiro presidente da República pelo voto direto. O mandato era de cinco anos sem direito à reeleição. Eram candidatos Mário Covas (PSDB), Ulisses Guimarães (PMDB), Leonel Brizola (PDT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), José Paulo Bisol (PSB) e Fernando Collor de Mello (PRN). Todos os nomes eram conhecidos e tinham história na luta contra a ditadura e pela democratização. Menos um, Collor.
Eu fiz à época minha escolha por Mario Covas, um político até então coerente com uma linha de social democracia de centro-esquerda. Para o segundo turno da eleição, passaram Lula e Collor. A mídia fez sua escolha por Collor e a edição do debate entre os presidenciáveis feita pela Globo no Jornal Nacional tornou-se um case de estudos nos meios acadêmicos de jornalismo. A Veja, por sua vez, elevou Collor ao status de “salvador da pátria” com a manchete “O Caçador de Marajás”. Outros veículos surfaram na mesma onda e Collor foi eleito.
Dois planos econômicos e um confisco da Poupança depois, o País foi lançado numa recessão e essas mesmas mídias decidiram que Collor “não servia” ao País. Houve o impeachment e ascendeu ao poder o vice Itamar Franco, que tentou fazer coisas importantes, mas foi sistematicamente ridicularizado pelos colegas jornalistas. Seu topete fez a festa entre os cartunistas.
Itamar fez coisas importantes. Quando defendeu a criação de “carros populares”, a Volkswagen saiu com o ridículo relançamento do Fusca. A Fiat, mais atenta e solidária ao presidente mineiro, inovou. Lançou o Uno Mille, um carro moderno (para a época) e que revolucionou o conceito de carro de entrada no Brasil, assim como tirou a indústria automobilística de um marasmo de décadas.
Itamar também lançou o Plano Real, erroneamente creditado ao ex-presidente Fernando Henrique, que apesar de ministro da Fazenda é sociólogo e entende de economia tanto quanto a média dos bem informados. Os verdadeiros pais do Plano Real foram Edmar Bacha, Rubem Ricúpero, Ciro Gomes, Pedro Malam e Pérsio Arida, um grupo de estudiosos que buscou na âncora cambial e nos ajustes em preços relativos a estabilidade monetária.
Após o final do mandato de Itamar veio Fernando Henrique Cardoso, eleito em uma aliança com o Partido da Frente Liberal (PFL), partido sucessor da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), base política civil que sustentou a ditadura militar desde 1964. Quando o PSDB se aliou naquele momento à elite do coronelato nordestino, morreu o sonho da social democracia.
Fernando Henrique foi eleito para um mandato de cinco anos, sem direito à reeleição. Durante seu primeiro mandato, o presidente e boa parte de seu staff saiu a campo para conseguir uma mudança constitucional e estabelecer a reeleição para cargos majoritários, ou seja, presidente da República, governadores de Estado e prefeitos.
A história desse período está impressa em jornais e livros, e os custos dessa reeleição em termos de dinheiro e corrupção de deputados foram manchetes nos principais jornais brasileiros. Na época, muitos setores da economia brasileira eram estatais e foram privatizados em favor de empresas nacionais e multinacionais (e eu sou um dos que acredita que os serviços privatizados são melhores hoje).
Nada de errado nisso, mas há um ponto nunca explicado: onde e em que foi aplicado o dinheiro obtido na venda das empresas do Grupo Telebras, do Grupo Siderbras e tantas outras? Por que nunca foi apresentado um balanço dos valores reais das vendas e um descritivo minucioso de onde o dinheiro foi aplicado?
O PSDB se perdeu quando se aliou ao PFL, hoje conhecido como DEM. A democracia não pode ser construída sobre a demagogia de políticos que se perpetuam no poder, seja ele exercido por militares de direita, sociólogos de centro ou sindicalistas de esquerda.
A opção de reeleição não foi feita pelos atuais governantes, antes, é uma herança de ambições antigas. Agora é constitucional, os eleitores podem reeleger e os políticos se aferram a isso. Um velho dizer da política: “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Não é possível voltar atrás com essa questão da reeleição, assim como não é possível, pelo menos nessa geração, retomar o debate sobre o parlamentarismo, emenda derrotada em plebiscito em que Fernando Henrique também renegou vocação por um regime baseado em uma estrutura de poder mais flexível, com um primeiro-ministro, forma de governo que defendeu antes de se tornar presidente.
Quando Lula foi eleito presidente da República, a diferença factual não foi haver ou deixar de haver corrupção. FHC teve Sergio Mota, o trator que cuidou para que a reeleição fosse um fato e Lula teve José Dirceu, que garantiu a aprovação das políticas do PT no Congresso. Qual a real diferença entre os dois?
A real diferença entre os governos FHC e Lula/Dilma está na dimensão dos avanços econômicos e sociais, dos números do desempenho da economia, da redução da desigualdade, da construção de universidades e da oferta de políticas públicas para populações até então excluídas. Os sistemas de bolsas sociais foram criados para alavancar transformações na sociedade, não para eleger ou reeleger políticos.
Infelizmente os benefícios para a sociedade são ofuscados por uma visão estreita de setores da sociedade brasileira que enxergam políticas partidárias em todas as políticas públicas. E é bom lembrar aqui que essas políticas começaram no mandato de FHC sob a inspiração de dona Ruth Cardoso.
Não há diferença entre os políticos que apoiam o governo A ou o governo B, o que é uma infelicidade para o País. Qual a diferença entre políticos que receberam o mensalão e os antigos “anões do orçamento”, políticos que nos anos 80/90 que se apoderaram da Comissão de Orçamento da Câmara Federal para vender emendas e roubar o dinheiro público? A diferença real é que nenhum anão foi preso.
Dentro de poucos meses haverá uma eleição para Presidente da República, governadores de Estado e deputados estaduais e federais. Tudo o que se está fazendo nas mídias e nas redes sociais é jogar um uma partida de preto ou branco, como se santos e demônios estivessem empunhando armas em um tabuleiro. Não sei você, leitor, mas, quanto aos demônios, tenho certeza, em relação a santos, não tenho visto muitos nestes quase 60 anos de vida no Brasil ou neste planeta.
É preciso colocar sobre a mesa as políticas públicas! O que queremos ser enquanto País, enquanto estado e enquanto cidade?
Há uma confluência de crises assolando o mundo, o Brasil e as grandes cidades em quase todos os Estados. Crise climática global, crise do modelo políticos brasileiro, crise no modelo econômico baseado no consumo como vetor de desenvolvimento, crise nos serviços públicos das cidades... A lista é infinita.
O economista Ladislau Dowbor, um dos principais pensadores de uma economia de alto impacto social e baixo impacto ambiental, costuma dizer que estamos em uma crise de um modelo econômico que tende a se autoperpetuar. “É preciso que paremos de pensar que uma economia pode ter um crescimento infinito em um ecossistema finito”, diz ele, e completa: “O único paralelo na natureza de um sistema que cresce até esgotar os recursos e morrer é o câncer”.
Parece que os partidos políticos não respondem mais aos anseios de uma sociedade que está dividida. No entanto, não há ainda uma alternativa posta a este modelo de representação política. Acredito que se, enquanto sociedade, dedicarmos mais tempo a pensar em soluções e em fazer avaliações coerentes das políticas públicas, em vez de nos jogarmos de cabeça em um destrutivo jogo de acusações, na maioria simplesmente reproduzindo como fantoches coisas que lemos ou assistimos, teremos a chance de fazer das próximas eleições um passo relevante para o processo civilizatório brasileiro.
Cada fragmento que se formou na sociedade brasileira se comporta como se sua opinião fosse a única a valer. No entanto, o que realmente vale é retomar a construção do futuro do Brasil de forma coerente com as necessidades das atuais e das futuras gerações.
O conflito político é inerente à organização humana, não haverá um tempo sem ele. A história da humanidade e do Brasil, ano a ano, é uma sucessão de crises políticas cruciais. A deste tempo não é maior nem menor do que as crises de outros tempos. Em cada período da história, brasileiros buscaram fazer algo para superar as crises e garantir a existência do amanhã.
Meu pai comentava a crise que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, dois anos antes de eu nascer. O país dividido e as mídias envolvidas em um jogo de preto ou branco. A morte de Getúlio dearticulou o golpe militar que estava por um fio. Café Filho e Juscelino Kubitschek conseguiram empurrar a crise por algum tempo, mas viveram tampos tumultuados. Jânio Quadros e João Goulart retomaram a crise. A renúncia lançou o país na insegurança institucional, um golpe branco foi tentado com a nomeação de Tancredo Neves como primeiro-ministro. Não deu certo, Goulart reassumiu seus direitos presidencialistas e o golpe militar veio em 1964.
Um País cindido em preto ou branco apenas interessa àqueles que não acreditam na institucionalidade do voto e na segurança do Estado de Direito. Cabe à geração de eleitores de outubro de 2013 fazer sua parte, não em um jogo de inimigos, mas em um tabuleiro de possibilidades, de estratégias e de sonhos. Todas as gerações têm suas utopias, e é preciso que esta geração volte a acreditar em um futuro onde as pessoas possam viver com qualidade. (Envolverde)
Fonte: Carta Capital por Dal Marcondes
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