Uma nova forma de tratamento do câncer tem atingido resultados surpreendentes, levando a quadros de remissão total. A implantação da técnica, chamada de terapia celular, surge a partir de investimentos de 9,9 bilhões de dólares da indústria farmacêutica Novartis, em associação com laboratórios de universidades e hospitais norte-americanos. As investigações em terapias genéticas estavam sendo realizadas em fase experimental na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Lá, 25 crianças e 5 adultos conseguiram atingir a remissão total na luta contra um tipo de câncer chamado leucemia linfoblástica aguda, tipo comum em crianças e com certa resistência a tratamentos convencionais como quimioterapia.
O tratamento da doença atualmente estaria restrito aos procedimentos cirúrgicos, à quimioterapia e à radioterapia. A terapia celular surge como uma possível alternativa no tratamento sem precisar envolver bisturis ou procedimentos agressivos, lidando apenas com reengenharia genética.
O biomédico Martin Bonamino, pesquisador do Instituto Nacional do Câncer (Inca), explica que a terapia celular consiste na utilização de células retiradas do próprio indivíduo ou de doadores para realizar uma função determinada. De acordo com ele, existem algumas terapias realizadas utilizando essa lógica. Uma das vertentes seria justamente a utilização de células para eliminação de tumores. “Em geral, as células utilizadas são do sistema imunológico do próprio paciente, tendo antes passado por uma manipulação em laboratório que envolve a modificação genética destas células. No caso da terapia celular do câncer, uma vez devolvidas ao pacientes, estas células imunológicas reconhecem e eliminam as células do tumor”, explica.
A associação entre a Novartis e a Universidade da Pensilvânia pretende tornar o tratamento acessível ao maior número de pessoas possível. A técnica experimental se chama Chimeric Antigen Receptor T-Cell (CART). O CART usa uma tecnologia que extrai as células de defesa (células T) do paciente e modifica estas células fazendo com que elas ataquem as células cancerosas.
A diretora médica da Novartis Oncologia no Brasil, Elaine Rahal, conta que o grande investimento realizado nessa nova terapia está na modalidade de produção. Rahal explica que essa terapia não funciona no modelo de produção tradicional de medicamentos: nesse caso, cada paciente manda seus linfócitos, que serão modificados para que o paciente possa receber de volta. “Nós retiramos células de defesa do sangue do paciente e modificamos esse linfócito com o componente viral, de modo que ele possa reconhecer a célula cancerígena como inimiga. Esse linfócito, depois de fabricado, é reproduzido para depois ser administrado na veia do paciente. Não existe medicamento tradicional, é uma célula do paciente modificada. É um processo complexo, diferente. Foi preciso adquirir uma fábrica nova, capacitar cientistas, produção”, explica.
Bonamino explica que os pacientes tratados com sucesso através da terapia celular, neste caso conhecida como imunoterapia do câncer por envolver células do sistema imunológico, não haviam obtido sucesso nos tratamentos disponíveis. Uma das vantagens do tratamento, de acordo com o biomédico, seria também o fato de que os efeitos colaterais da terapia celular parecem ser menos severos do que os demais utilizados no combate ao câncer. “Isto indica que temos uma nova arma no combate ao câncer e que esta terapia pode passar a ser testada agora em pacientes ainda não exaustivamente tratados”, acredita.
Rahal lembra que há muitas décadas a medicina procura utilizar o sistema imunológico para combater diversas doenças, mas que isso só começou a ter algum sucesso depois que o homem começou a dominar o genoma. “Uma vez dominadas as técnicas de manipulação de genomas viral e humana foi possível começar a desenvolver essas modificações”, conta.
Esse investimento na terapia celular poderá transformar a Novartis em uma fornecedora de serviços médicos – e não somente uma fabricante de produtos. E o universo do câncer envolve grandes quantias de dinheiro: de acordo com a IMS Health, somente em 2013 os gastos mundiais com medicamentos oncológicos atingiram a cifra de 91 bilhões de dólares, valor que representa três vezes mais do que o valor atingido dez anos antes.
Outra coisa que Bonamino garante é a relevância dos resultados apresentados e que o desafio agora é gerar resultados semelhantes em outros tipos de câncer, especialmente os sólidos como os de mama, próstata e pulmão. “Este tipo de terapia resultou em taxas de resposta para algumas leucemias mais elevadas que qualquer outro fármaco lançado no mercado nos últimos anos”, conta.
A Novartis prevê que até 2016 já terão finalizado os ensaios clínicos e, após apresentação oficial ao órgão regulador dos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration), poderão disponibilizar um tratamento individualizado para cada paciente.
Elaine Rahal afirma ainda que a eficácia do tratamento já foi comprovada e que a previsão do tratamento estar disponível representa o tempo em que a Novartis acredita já ter todas as etapas requeridas pelas autoridades reguladoras. “A cura está sendo efetiva, mas existe o FDA nos EUA, o EMEA na Europa e as próprias agências brasileiras de regulação que exigem uma série de estudos e etapas até que eles possam concluir que a terapia é eficaz e segura para ser trabalhada de maneira comercial”, explica.
Brasil acompanha avanços em técnica inovadora
No cenário nacional, o Hospital Albert Einstein já estaria se equipando com um laboratório de terapia celular para que profissionais treinados nessa tecnologia pudessem futuramente replicar o tratamento pelo país.
A hematologista e hemoterapeuta Andrea Kondo, médica do Hospital Israelita Albert Einstein, conta que o laboratório do hospital atua já há 30 anos na manipulação da medula óssea, uma das terapias envolvidas no conceito de terapia celular, em um método chamado aférese. “Nós temos um laboratório onde é feita a coleta das células-tronco, chamadas hematopoiéticas, que estão dentro da medula óssea. Existem duas formas de isso ser feito: coletando diretamente do osso ou coletando pela aférese. Essa última é feita utilizando uma máquina onde a gente punciona as veias do paciente e em seguida o sangue dele é aspirado. A máquina separa as células-tronco e devolve o restante das demais células para o paciente”, explica.
Kondo afirma que os estudos na Pensilvânia tem tido bons resultados e que o Brasil está acompanhando isso em fase inicial. “O Hospital entendeu que era o momento de avançar nesse tipo de técnica, mas ainda estamos em um estágio embrionário. Precisamos desenvolver ainda a estrutura, já temos contato com centros internacionais para onde vamos enviar profissionais que serão capacitados e treinados nessa técnica. Mas é preciso ainda que ela seja autorizada. Como é uma célula manipulada, é preciso ter certeza de que não traz riscos ao paciente”, lembra.
Sobre o futuro do tratamento, a hematologista afirma que a terapia celular foi uma boa alternativa para pacientes que não tinham outras opções terapêuticas. Kondo acredita que a técnica vai passar a ser uma alternativa de tratamento bastante promissora, mas afirma ainda ser meio precoce afirmar que ela irá substituir os tratamentos convencionais. “Ela pode até chegar a ser a primeira linha de tratamento, mas vai demorar alguns anos ainda para que isso aconteça. O que entendemos é que, no momento, ela provavelmente vai ser uma terapia coadjuvante, ajudando em casos onde não está se conseguindo essa remissão completa. Se vai substituir ou não, só no futuro os resultados de estudos vão responder essa pergunta”, diz.
Fonte: Jornal do Brasil Rafael Gonzaga
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