RIO - Em busca de paz, o médico aposentado Carlos França, de 63 anos, deixou a metrópole e comprou um terreno na pacata Miguel Pereira, Centro-Sul Fluminense, em 2008. Ao inspecionar o quintal, notou que havia uma perfuração no solo. O corretor de imóveis logo o tranquilizou: tratava-se de um poço de monitoramento da qualidade da água, zelo ambiental da prefeitura. No entanto, a realidade se mostrou diferente. Nos últimos seis meses, funcionários de uma empresa terceirizada da Petrobras fizeram sete novas perfurações no terreno. França finalmente descobriu que, na verdade, seu espaço é alvo de investigação em decorrência de um vazamento de óleo ocorrido há 29 anos. O aposentado não pode comer frutos, usar água subterrânea e sequer construir uma piscina. A contaminação por hidrocarbonetos expõe ao risco famílias do bairro de classe média Estância Aleluia.
Situações como essa não são raras no Estado do Rio, mas a falta de transparência nas informações alimenta inseguranças. A Secretaria estadual do Ambiente não disponibiliza ao público o relatório das áreas contaminadas, conforme prevê uma resolução federal de 2009. Em São Paulo, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) faz esse tipo de divulgação na internet há 11 anos — o último levantamento aponta 4.131 terrenos investigados.Na última semana, O GLOBO percorreu quatro áreas com contaminações de solo no Rio. Moradores reclamam da ausência de esclarecimentos precisos dos responsáveis pelos danos e dos órgãos ambientais. O pedreiro Elionay Avelino de Souza, de 33 anos, conta que moradores da Cidade dos Meninos, em Duque de Caxias, ainda vivem amedrontados. Há seis décadas, toneladas do composto conhecido como pó de broca (hexaclorociclohexano) provocaram uma onda devastadora, com registros de mortes por câncer. O produto foi abandonado por uma antiga fábrica de pesticidas, mantida pelo governo federal.
Tanto tempo depois, o problema segue sem solução. O Ministério da Saúde informou que, juntamente com a prefeitura de Caxias e o governo estadual, definiu um plano para o recadastramento das cerca de 750 famílias da Cidade dos Meninos.
— Fizeram uma análise da água lá de casa, e parece que está tudo bem. Só pedimos a Deus que nada de grave aconteça — diz Elionay.
A lista dos “barris de pólvora” no estado não é desprezível. O secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, afirma, entretanto, que a pasta sabe quais são essas áreas. Minc garante que até o fim do ano o inventário dos pontos contaminados estará disponível no site do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). O sistema de informação ainda está em desenvolvimento.
— Temos ciência dos problemas. Mandamos as empresas descontaminarem. O estado não gastou um tostão para resolver o passivo da Ingá Mercantil (em Itaguaí). Brigamos na Justiça, que queria empurrar a conta para o contribuinte. A Usiminas bancou. Chegamos a uma solução ambiental e econômica. E descontaminamos o Canal do Cunha e do Fundão com R$ 300 milhões da Petrobras — diz o secretário.
O geólogo do Instituto de Geociências da USP Rodrigo Coelho, especialista no assunto, lembra que a descontaminação de terreno exige análise de riscos e estudos aprofundados. A responsabilidade de reparar os danos ambientais é de quem poluiu, conforme estabelece o princípio do poluidor-pagador, previsto na Política Nacional de Meio Ambiente (lei 6.938/81).
Em Miguel Pereira, avalanche de dúvidas
Moradores de Miguel Pereira enfrentam uma batalha de desfecho imprevisível. De acordo com a Petrobras, em 1984 cerca de cinco mil litros de gasolina vazaram do Oleoduto Rio-Belo Horizonte (Orbel I), no bairro Estância Aleluia. Na época, a empresa adotou medidas emergenciais, como a reparação do duto e a retirada superficial de solo. Novos estudos foram realizados, por meio de sondagens para coleta de amostras de solo e da instalação de poços de monitoramento. Foram ainda feitas análises químicas de solo e água subterrânea. Para realizar os trabalhos, a Petrobras adquiriu duas propriedades e alugou uma outra, no ano passado.
Ainda segundo a estatal, o resultado dos estudos, entregue em 11 de março deste ano ao Inea e ao Ministério Público Federal, indica “pequena concentração de material residual” na propriedade alugada pela companhia, onde não há residência. A Petrobras acrescenta que já foram iniciadas as medidas para a completa remoção do material. E que estão sendo reavaliadas as restrições para captação e utilização da água subterrânea, consumo de frutos e hortaliças e novas construções e escavações.
Quem vive o problema de perto, por outro lado, afirma que o diálogo é bastante difícil. Lucinda de Souza, de 49 anos, comprou uma casa há três anos sem saber do vazamento:
— A gente constrói um sonho e, agora, não tem direito a nada. Não posso fazer uma garagem.
Ney Robinson Gomes D’Oliveira, do bairro Retiro das Palmeiras, detectou um outro vazamento no duto nos anos 80. A Petrobras lhe fornece água em caminhões-pipa desde 1995:
— Esse problema está me matando há 32 anos. Acredito que estejam aguardando a minha morte, a solução mais simples para o caso.
Pelo menos um emblemático caso de contaminação tem uma solução encaminhada: a poluição deixada pela Companhia Mercantil e Industrial Ingá, na Ilha da Madeira, em Itaguaí. Em 1996, dois anos antes de a empresa decretar falência, 50 milhões de litros de água contaminada por metais pesados foram parar na Baía de Sepetiba. A Usiminas, que arrematou o terreno por R$ 72 milhões em 2008, vai entregar a área descontaminada em junho. Em nota, a empresa informou que fez investimentos da “ordem de R$ 100 milhões no projeto de remediação” e que “a recuperação desse passivo possibilitou o confinamento de 100% do rejeito contaminado, eliminando os riscos de contaminação”.
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