Rio - As casas amplas, bom quintal, mas com aspecto de abandono, paredes descascadas e desbotadas, localizadas em bairros pobres do Rio de Janeiro ganharam perfil de Zona Sul. Pelo menos na planilha da Casa Espírita Tesloo. Na prestação de contas à Prefeitura do Rio de Janeiro, a ONG justificou o pagamento mensal de R$ 13 mil com o aluguel de três humildes imóveis onde funcionam os centros especializados de atendimento à dependência química, em Guaratiba. No bairro de Cinco Marias — onde estão os abrigos — uma residência simples e espaçosa custa R$ 60 mil e os aluguéis nunca ultrapassam os R$ 1 mil. E olha que a prefeitura paga — e muito — para cuidar das crianças e adolescentes vítimas das drogas: só no ano passado desembolsou R$ 3,5 milhões — em média R$ 28 mil por menor — à Tesloo.
Major Magalhães foi alvo de investigação por suspeita de integrar milícia | Foto: Reprodução
O prazo é até a conclusão da auditoria nas contas da ONG, presidida pelo major reformado da PM Sérgio Pereira de Magalhães Júnior — um recordista em autos de resistência e que acumula 42 mortes em confronto com supostos bandidos, como O DIA mostrou ontem com exclusividade.
Os contratos da Tesloo com a Prefeitura do Rio, todos sem licitação, somam R$ 80 milhões desde 2005. Oito estão em vigência e, destes, três, em fase final, ainda dependem da prestação de contas.
O relatório do TCM indica irregularidades em quase todos os convênios firmados para administrar os centros de acolhimentos de dependentes químicos, como superfaturamento em alimentos e nos produtos de limpeza e higiene. Há suspeita do uso de recibos falsos para encobrir desvios de verba, como a compra de cinco molhos de salsa por R$ 64,50, e possíveis notas fiscais frias — emitidas pela Cerealista Amazonas Ltda com a descrição de produtos que ela nunca comercializou.
Foto: Arte O Dia
Freixo critica falta de profissionais do ramo na ONG
A reportagem de O DIA, com a denúncia do envolvimento do major reformado Sérgio Pereira de Magalhães Júnior na morte de 42 pessoas em supostos confrontos, repercutiu ontem na Assembleia Legislativa. O presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Marcelo Freixo (Psol) considera que a Tesloo, apesar de gerir cinco centros especializados em dependência química, é dirigida por pessoas sem especificidade e sem quadro técnico compatível com a necessidade do enfrentamento ao crack.
“Não é um valor pequeno (contratos entre a ONG e a prefeitura). Tudo se justifica pelo drama que o crack representa aos olhos da opinião pública. E não se pode justificar tudo em função do dano causado por uma droga — não há nem um estudo que aponte o número de pessoas viciadas em crack no Rio, hoje”, criticou, em plenário.
Abrigos funcionam em casas alugadas por valores superiores aos de mercado. Além disso, alguns contratos não foram apresentados ao Tribunal de Contas do município | Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia
Recadastramento virou apenas um relatório
Um dos convênios da Tesloo na lista negra do Tribunal de Contas não é sobre atendimento a usuários de drogas, mas para a atualização de 408 mil famílias do cadastro único, feito pela prefeitura dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família. A ONG, que nunca prestou este tipo de serviço, ganhou o contrato de R$ 9.687.841,10, em setembro de 2011. Após sete meses do prazo final da entrega dos documentos, a Tesloo enviou apenas um relatório incompleto e com menos da metade da tarefa realizada. Não constava nem a quantidade de funcionários contratados para a execução do trabalho.
Major alega que matou 42 em legítima defesa
O major reformado Sérgio Magalhães alegou ontem que as 42 mortes citadas na edição do DIA ocorreram em confronto e que agiu em legítima defesa. Garantiu que na 33ª DP (Realengo) ratificou sua posição contrária à ação de milícias e que criou a Tesloo para ajudar a reverter o “quadro degradante da dependência química” no Rio. Sobre a orientação do TCM para a prefeitura não renovar os contratos com a Tesloo, a ONG explicou que não se pronunciará enquanto não for notificada pela Secretaria de Assistência Social. Ontem, o prefeito Eduardo Paes não quis comentar a reportagem.
Fonte: O Dia
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