"Incapacitados de obter aprovação da maioria da população nos processos eleitorais, pelo caráter antipopular do seu programa, a direita brasileira volta à carga para tentar, valendo-se das debilidades do governo, impor um impeachment e voltar ao governo", afirma o cientista político e colunista do 247 Emir Sader; segundo ele, "a ausência de um projeto do governo e a convocação a grandes mobilizações populares de apoio a esse projeto deixa o campo livre para as aventuras da direita"; ao defender que o Brasil "precisa de mais e não de menos democracia", Sader aponta que "o desenvolvimento econômico com democratização social como eixo fundamental do projeto iniciado por Lula e continuado por Dilma tem que ser retomado imediatamente pelo governo. Ele é parte do combate ao impeachment e à restauração conservadora que a direita trata de colocar em prática"; leia
Mesmo se não levarmos em conta outros motivos que podem mover personagens do jogo político acusados ou suspeitos de envolvimento com corrupção, temos que considerar suas alegações públicas. Michel Temer usa o mote de que o país está dividido, que é preciso reunificá-lo, chegando a mencionar que isso deveria ser feito pela presidenta ou por outras vias – no que se refere evidentemente a ele. Temer faz então reuniões com a proposta do PMDB, para angariar apoios e, evidentemente, apresentar-se como o personagem que poderia reunificar o país. Sua base política de apoio está no monopólio privado da mídia, nos tucanos e no setor mais conservador do PMDB.
O programa do PMDB resume todas as teses mais conservadoras existentes hoje no país, a pretexto de desbloquear o crescimento econômico. A orientação geral é de caráter neoliberal e se resume na sua tese central: desregulamentação. Levantar regulamentações estatais, excluir gastos em políticas sociais e na contratação de mão de obra.
Não por acaso, até agora pelo menos, Temer só visitou empresários e instituições de direita, para os quais o programa soa como música aos ouvidos. É tudo o que eles gostariam de ter, se pudessem impor unilateralmente seus interesses, à custa dos trabalhadores, dos beneficiários de políticas sociais e, em suma, dos outros setores que não os do grande capital. O corolário, evidentemente, é acabar com os governos do PT.
Um programa muito similar ao que foi levado a cabo por Fernando Collor de Mello e por FHC nos anos 1990, com os resultados que se conhece. Fica mais claro então para que se dão as articulações para remover a Dilma e o PT do governo: para impor uma restauração conservadora do estilo que começa a ser imposto na Argentina, mediante uma vitória eleitoral.
Não por acaso Temer não se reuniu com outros setores da sociedade – nem centrais sindicais, nem movimentos sociais, nem com professores, profissionais de saúde pública, entre tantos outros que representam a imensa massa de pessoas que compõem a sociedade brasileira. Se trataria de reunificar o país desde cima, conforme os estritos interesses do grande capital.
Que tipo de retomada do desenvolvimento econômico seria possível caso esse programa fosse aplicado? O modelo de expansão do grande capital, centrado na exportação e no consumo das altas esferas do mercado, como foi tradicional no Brasil até 2003. Se trataria de cortar a expansão econômica dos processos de distribuição de renda. Os maiores sacrificados seriam os setores populares, que tiveram atendidas uma parte de suas reivindicações nestes 13 anos, o que se ve que incomoda, que aparece com obstáculo para o programa do PMDB e para os setores empresariais aos quais se dirige Michel Temer.
Se trataria de brecar o imenso processo de democratização social que o Brasil vem vivendo desde 2003 e que tem sido aprovado democraticamente pelo povo brasileiro em quatro sucessivas eleições. Incapacitados de obter aprovação da maioria da população nos processos eleitorais, pelo caráter antipopular do seu programa, a direita brasileira volta à carga para tentar, valendo-se das debilidades do governo, impor um impeachment e voltar ao governo.
Nenhum argumento tem consistência para qualquer tipo de impeachment, mesmo se se aceitasse todas as acusações que são feitas ao governo. Se trata, como afirmam alguns dos personagens mais conspícuos dessa operação anti-democrática, de terminar com os governos eleitos desde 2002 e substituí-los por equipes coerentes com esse programa conservador. Os nomes que são filtrados para a mídia, para aumentar o apetite do grande empresariado e da direita em geral, representam uma ruptura com o modelo de desenvolvimento com distribuição de renda e prioridade das politicas sociais, com uma politica externa soberana e voltada para a integração regional, com o papel ativo do Estado.
Diante do empate relativo entre o governo e a oposição, diante do vazio de propostas políticas políticas por parte do governo, a oposição aposta no nome de Michel Temer, no seu programa de restauração conservadora e no impeachment da Dilma. Não tem outro sentido as viagens e reuniões do Temer. O eventual triunfo desse projeto seria a derrota da democracia, não apenas por cortar o mandato de uma presidenta eleita pelo voto popular sem nenhuma justificativa, mas também a imposição de um programa profundamente antipopular. A confirmação vem do apoio do empresariado e da oposição dos sindicatos e dos movimentos populares em geral – vitimas privilegiadas das intenções daquele programa.
A eficácia eventual do programa e do projeto do impeachment – elementos indissociáveis - vem da ausência de projeto político do governo para sair da crise. Não basta a defensiva, amparando-se nas normas constitucionais – nas mãos do STF - e na precária – como se viu na votação da composição da Comissão – base parlamentar de apoio. Seria uma ilusão do governo não considerar que existe uma profunda crise política no país, que impede o governo de governar, pelos efeitos negativos do pacote de ajuste, que retirou suas bases populares de apoio e há um assédio golpista por parte da oposição, articulada em torno de Michel Temer.
A ausência de um projeto do governo e a convocação a grandes mobilizações populares de apoio a esse projeto deixa o campo livre para as aventuras da direita, valendo-se inclusive da incapacidade do governo de governar. Não é apenas se defendendo das ofensivas da oposição que o governo vai superar a crise. Ou, se o fizer, sairá ainda mais debilitado do que no começo da crise.
O Brasil não precisa de menos, mas de mais democracia. Precisamos da proposta de uma retomada do desenvolvimento com distribuição de renda, que deu apoio e legitimidade aos governos desde 2003. É um suicídio abandonar bruscamente esse modelo, em função de um ajuste que vai na direção oposta, cotando recursos de politicas sociais e direitos dos trabalhadores, além de aprofundar a recessão e o desemprego. O governo tem que chamar os setores do empresariado interessado em retomar o crescimento, com medidas concretas, como a baixa da taxa de juros – outro obstáculo à retomada do desenvolvimento. E convocar os movimentos populares a contribuir decisivamente à retomada desse projeto de governo. Deixar o horizonte hoje colocado de um segundo ano com recessão e desemprego é jogar contra a mobilização dos amplos setores populares hoje penalizados injustamente pelo ajuste.
Em suma, o desenvolvimento econômico com democratização social como eixo fundamental do projeto iniciado por Lula e continuado por Dilma tem que ser retomado imediatamente pelo governo. Ele é parte do combate ao impeachment e à restauração conservadora que a direita trata de colocar em prática.
A continuidade do processo de democratização política, econômica, social e cultural do país requer a derrota do projeto de restauração conservadora da direita, que supõe o impeachment. A democracia sairá mais forte ou mais fraca na saída da crise, conforme o projeto que triunfe. O da direita está claro, resta que o governo apresente a alternativa democrática e popular à crise.
Fonte: Colunista do 247, Emir Sader
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