Neste domingo, data que marca o aniversário do AI-5, ato institucional baixado pelos militares que endureceu a ditadura, os movimentos Vem pra Rua e Movimento Brasil Livre, comandados por Kim Kataguiri e Rogério Chequer, colocam suas tropas nas avendas para tentar engrossar o movimento pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff; caso seja bem-sucedido, o golpe contra a democracia, estimulado pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), levará ao poder o vice-presidente Michel Temer, do PMDB, cujo plano de governo se concentra na sua "ponte para o futuro"; documento reduz gastos sociais obrigatórios, em áreas como saúde e educação, amplia idade mínima para aposentadoria e limita os reajustes do salário mínimo
– Neste domingo 13, data que marca o aniversário do AI-5, um dos dias mais tristes da história do País, os grupos Movimento Brasil Livre e Vem pra Rua colocam seus blocos nas avenidas do País para tentar engrossar a tentativa de golpe contra a democracia que vem sendo encabeçada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) e pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Caso seja bem-sucedido, o golpe levará ao poder o vice-presidente Michel Temer, do PMDB, que já lançou seu plano de governo, contido no documento "uma ponte para o futuro". O texto reduz gastos obrigatórios em saúde e educação, amplia a idade mínima para aposentadorias e reduz os reajustes do salário mínimo.
Leia, abaixo, análise de Rosa Maria Marques, publicada na Carta Maior, sobre o Plano Temer:
'Uma ponte para o futuro' para quem?
Quando em nome de um equilíbrio fiscal propõe-se a desindexação dos recursos para a saúde e a educação, fica evidente a quem a proposta do PMDB serve.
Rosa Maria Marques
O diagnóstico e as propostas do documento apresentado pelo PMDB à nação, em matéria de políticas sociais, não difere do que consta da Agenda Brasil e do detalhamento publicado no Estadão, em 14 de setembro de 2015, de autoria de alguns economistas. Para responder à questão fiscal e em nome de um “orçamento verdadeiro” (sic), propõe a desvinculação dos recursos presente no atual sistema de financiamento da saúde e da educação e a desindexação dos benefícios e do salário mínimo. Além disso, o documento volta à questão do estabelecimento do critério de idade para a aposentadoria dos trabalhadores do mercado formal de trabalho, de 60 e 65 anos, para mulheres e homens, respectivamente. Nisso, ele é mais explícito do que os documentos que lhe antecederam. Sofre esse último aspecto, é preciso lembrar que a Fórmula 85/95 já contempla a mudança demográfica no seu componente idade. Mas diferentemente do que o PMDB está propondo, reconhece que as situações de ingresso no mercado de trabalho são muito desiguais, refletindo a desigualdade geral do país.
É impressionante que, em momento de crise maior, os partidos não comprometidos com a maioria da população brasileira voltem-se unanimemente contra aspectos da Constituição que significaram inequívoco avanço na construção de uma proteção social mais adequada e contra instrumentos legais, construídos nos últimos anos, que regulamentaram a participação das três esferas de governo no financiamento da saúde e o aumento do salário mínimo. A impressão que se tem é que, na esfera das políticas sociais, a agenda dos anos 1990 é retomada como se os últimos anos tivessem sido apenas um interregno, que não contam para nada.
Contudo, é abundante a quantidade de estudos que apontam que a política de valorização do salário mínimo (levando em conta a inflação passada e o desempenho da economia dos dois últimos anos) e a indexação do piso dos benefícios previdenciários e assistenciais a esse salário mínimo foram as principais causas da diminuição da desigualdade entre os ocupados ocorrida na última década. Maior do que o Programa Bolsa Família, embora o impacto desta política não seja desprezível.
No caso do mercado de trabalho, o salário mínimo beneficia tanto os trabalhadores formais como os informais, e se apresenta como o mínimo que um trabalhador deve receber como assalariado. No caso dos benefícios previdenciários e assistenciais, apresenta-se como uma renda mínima da inatividade, não importando seu motivo. Já a introdução desse indexador aos benefícios, em 1988, teve como fonte inspiradora a necessidade das políticas públicas atuarem positivamente sobre os baixos rendimentos a que estavam submetidos os aposentados e os trabalhadores de mais baixa renda. Levando-se isso em conta, qualquer proposta que pretende pensar o Brasil do futuro, no caminho da superação da crise atual, não pode estar fundada na diminuição da renda da base da pirâmide de rendimentos brasileiros. Aqueles que não manifestam nenhum tipo de vergonha ou de constrangimento ao propor a desindexação dos benefícios, apenas assim denunciam de que lado da sociedade brasileira estão.
A proposta de desindexação dos recursos da saúde e da educação é tão grave quanto a desvinculação dos benefícios ao salário mínimo, mas implica outros aspectos que merecem ser rapidamente mencionados. Em primeiro lugar, trata-se de sinalizar à sociedade, e isso em alto e bom som, que a saúde e a educação Não são prioridades na escala de valores do Estado brasileiro e que seu acesso deverá ser “garantido” cada vez mais mediante a renda individual de cada um ou família. A introdução de percentuais sobre os recursos da União, Estados e Municípios tinha (tem) como propósito definir mínimos de comprometimento dos entes públicos com essas políticas, que independiam (independem) da orientação política do gestor de plantão. São políticas de Estado, portanto.
Quando em nome de um equilíbrio fiscal, cujo objetivo é gerar superávit fiscal para honrar o pagamento dos juros da dívida pública, propõe-se a desindexação dos recursos para a saúde e a educação, fica evidente a quem estão servindo os autores da proposta “Uma ponte para o futuro”. E o futuro que seria produzido pela retirada da desindexação seria o pior possível: a completa segmentação da saúde e da educação. Sabemos bem que essas áreas já se apresentam segmentadas, apesar da Constituição de 1988. Por exemplo, no caso do gasto com saúde, 53,5% é realizado pelo setor privado (Planos e seguros de saúde e pagamento direto pelo usuário) e o sistema público (SUS) enfrenta um subfinanciamento estrutural desde sua origem, estando muito abaixo do que é nele aplicado, quando se compara a outros países com sistema público semelhante. O que mudaria com a desindexação é que estaria vedada a alteração da situação atual, de modo que a segmentação e o subfinanciamento somente iriam se ampliar.
As propostas de desindexação contemplariam, ainda, pelo menos em tese, a possibilidade da desvinculação das receitas da Seguridade Social, tal como insinuadas ou apresentadas em outros documentos de mesmo teor. Propor sua desvinculação ou aumentar a já existente, de 20%, é a consequência lógica da análise presente no documento “Uma ponte para o futuro”. E aí estaria completada a tarefa de desmontar, de fazer retroceder completamente os avanços em políticas sociais introduzidas pela Constituição de 1988. Além de modificar aspectos de sua concepção, ao eliminar o piso equivalente a um salário mínimo para os benefícios, tornaria seus recursos incertos, dependentes de prioridades estabelecidas a cada orçamento, a partir dos interesses e das forças presentes em cada votação do Congresso Nacional. De uma política de Estado, a Seguridade Social passaria a ser o resultado de meras contingências conjunturais. Mas tudo isso mediado pela não questionável necessidade de sempre atender os interesses dos credores e de manter elevadíssimas taxas juros. Na conta do que deve ser cortado ou reduzido, em momento algum é pensado se redefinir as condições que estabelecem essa já eterna submissão aos interesses do capital financeiro. Por isso a pergunta: futuro para quem?
Fonte: 247
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