sexta-feira, 5 de abril de 2013

Desrespeito e falta de estatísticas são obstáculos para ciclistas no Rio

Cidade tem maior rede cicloviária do país, mas ainda falta muito para ser considerada ‘bike friendly’


Obstáculo: um buraco coma conta de parte da ciclofaixa da Rua Figueiredo de Magalhães, em Copacabana: cidade tem maior
Foto: O Globo / Marcelo Piu
Obstáculo: um buraco coma conta de parte da ciclofaixa da Rua Figueiredo de Magalhães, em Copacabana: cidade tem maiorO Globo / Marcelo Piu
RIO - No último domingo, a produtora Gisela Matta pedalava sua bicicleta quando foi atropelada por um ônibus na esquina das avenidas General San Martin e Bartolomeu Mitre, no Leblon. Levada para o Hospital Miguel Couto, não resistiu aos ferimentos. Sua morte evidencia dois dos maiores problemas para que a cidade se afirme como bike friendly: o desrespeito, principalmente por parte de ônibus e carros, e a falta de informações. O caso de Gisela não fará parte de qualquer estatística sobre acidentes envolvendo bicicletas, porque a Secretaria municipal de Saúde, a secretaria estadual de Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros não têm dados sobre


De acordo com a Secretaria municipal de Saúde, apenas este ano as principais emergências na cidade passaram a detalhar o número de ciclistas envolvidos em acidentes. Como não há base de comparação, tais dados ainda não estão disponíveis para consulta. Já a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros dizem que os casos envolvendo ciclistas são contabilizados como atropelamentos, sem distinção entre pedestres e ciclistas. O que torna praticamente impossível saber quantos ciclistas figuram entre os 5.615 atropelamentos registrados no Rio ano passado.
Com 305 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas, o Rio possui a maior malha cicloviária do país e a segunda da América Latina — só perde para Bogotá, na Colômbia. Para os amantes das “magrelas”, entretanto, o desrespeito dos motoristas e a insegurança ainda são obstáculos.
Diretor da ONG Transporte Ativo e integrante do Grupo de Trabalho para Ciclovias da prefeitura, Fernando José Lobo, de 51 anos, ou simplesmente Zé Lobo, como prefere ser chamado, admite que a falta de dados estatísticos é um obstáculo importante, mas argumenta que a cidade já é considerada bike friendly:
— A cidade tem condições muito favoráveis ao uso da bicicleta na mobilidade urbana, com uma malha cicloviária que na América Latina fica atrás apenas de Bogotá (344 quilômetros). O clima também ajuda. Com relação aos acidentes, a bicicleta é o veículo mais seguro. Ciclistas representam 7% dos deslocamentos e 4% dos acidentes. Já os carros são usados em 24% dos deslocamentos e estão envolvidos em 27% dos acidentes.
Zé Lobo usa como base um cruzamento de dados da pesquisa do IPEA “Mobilidade Urbana 2011” e do “Mapeamento das Mortes por Acidentes de Trânsito no Brasil”, elaborado pela Confederação Nacional de Municípios, em 2009. Para ele, levará alguns anos para que o Rio conte com estatísticas detalhadas sobre o assunto. Para minimizar o problema, a ONG vem levantando informações. No dia 20 de março, fez a segunda contagem de bicicletas no cruzamento da Rua Figueiredo de Magalhães com a Avenida Nossa Senhora de Copacabana.
Por 12 horas, foram contabilizados 1.535 ciclistas, sendo 1.322 homens (86%) e 213 mulheres (14%). Na comparação com a primeira contagem, feita em 2009, o número total apresentou aumento de 8,1%. Mas um quesito despertou a atenção de Zé Lobo. Conforme antecipou a coluna Gente Boa, o percentual de mulheres que passaram pedalando pela esquina teve elevação de 134%. Há quatro anos, apenas 91 mulheres foram computadas na contagem. Já a quantidade de homens na primeira pesquisa foi de 1.329, sete a mais do que em março passado.
Número de roubos e furtos é subestimado
Os homens, porém, são maioria no uso das “magrelas”, principalmente fora das ciclovias. A explicação, na opinião de Zé Lobo, está relacionada ao desrespeito de motoristas e à ação de ladrões. Criador do site Pedal (www.pedal.com.br), que tem média de 620 mil acessos mensais, Pedro Cury, de 32 anos, é um apaixonado pelas “magrelas”, mas admite não incentivar a mulher a andar de bike fora das ciclovias:
— A disputa entre ciclistas e veículos é desigual nas ruas. Nem as ciclofaixas são respeitadas, sem falar nos roubos e furtos. Nesse cenário, as mulheres estão mais vulneráveis — diz.
Formado em Informática, Pedro decidiu criar o site Bicicletas Roubadas (www.bicicletasroubadas.com.br) a partir do grande número de e-mails que ciclistas passavam para o Pedal, relatando roubos e furtos. Desde que foi levado ao ar, há pouco mais de dois anos, o cadastro nacional de bikes roubadas já recebeu 1.382 relatos, 178 deles no Rio. Pedro ressalta que os números estão muito abaixo da realidade. Para ele, a maior parte das vítimas de roubo e furto de bicicletas não registra os casos na polícia, mas muitas recorrem ao site. De fato, o tamanho da subnotificação pode ser estimado com base na análise das estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP). Em janeiro deste ano, 48 furtos e cinco roubos de bicicletas foram registrados em delegacias do Rio. No mesmo período de 2012, foram 42 furtos e três roubos.
Márcio dos Santos, de 39 anos, é um exemplo. Há seis meses, ele teve uma bicicleta furtada de um bicicletário no Leblon, mas não registrou queixa na delegacia:
— Eu iria passar horas na delegacia e não adiantaria nada. Achei melhor relatar o furto na internet. Agora, não deixo minha bike em nenhum bicicletário — disse.
Relatos como o de Márcio são comuns no site Bicicletas Roubadas, onde a maior parte das vítimas descreve casos de furto, principalmente, em bicicletários da Zona Sul. Num dos casos citados, Kazue Yoshihara conta ter tido uma bicicleta levada de um bicicletário instalado à frente de um quiosque na Praia de Ipanema. O furto aconteceu em janeiro passado. Kazue também não registrou o furto na delegacia. Não foi a primeira vez em que ela teve uma bike levada por bandidos. Numa outra ocasião, no Aterro do Flamengo, foi derrubada da bicicleta por um ladrão. Na ocasião, ela registrou queixa. Para isso, contudo, passou horas na delegacia sem nenhum resultado prático.
Bicicletas também desrespeitam
Se por um lado os ciclistas são desrespeitados, por outro, há também reclamações de pedestres sobre abusos cometidos pelos adeptos de passeios em duas rodas. A falta de gentileza e respeito às normas de ambos os lados pode ser percebida na orla e na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde, especialmente nos fins de semana, convivem crianças brincando, pessoas fazendo exercícios e idosos passeando. Em meio ao burburinho, é fácil flagrar bicicletas atravessando a área de lazer, restrita a pedestres, em vez de utilizar a ciclovia.
Os atropelamentos são frequentes. As vítimas são pedestres e até outros ciclistas. Recentemente, a estudante Giovanna Santa Rita, de 16 anos, foi atropelada na Lagoa por outro ciclista em alta velocidade. O dia de lazer acabou na mesa de cirurgia no Hospital municipal Miguel Couto. O atropelador não parou para socorrer Giovanna, que sofreu traumatismo craniano. A presença de ciclistas na área de lazer é vedada por um decreto municipal e também pelo Código de Posturas do Município.
Em vias públicas, para evitar atropelamentos, os ciclistas também devem respeitar as mesmas regras de trânsito válidas para motoristas.
Numa cidade que pretende estimular um estilo de vida sustentável — o que inclui a disseminação do uso de bicicletas nos deslocamentos —, é fundamental regras que garantam o espaço de todos. As bikes já são uma realidade cada vez mais presente: de acordo com a ONG Transporte Ativo, atualmente já são três milhões de magrelas, sendo 30% rodando diariamente no Rio.
Nos cálculos da prefeitura, são feitas diariamente 700 mil viagens de bicicletas, das quais 60 mil apenas em Copacabana. O modismo das bicicletas elétricas aumenta a preocupação. Os modelos só podem circular em ciclovias e com velocidade de até 20Km/h.


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Fonte: O Globo

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