RIO - De um lado, motoristas estressados e, frequentemente, sem treinamento adequado. Do outro lado, uma legião de passageiros submetida a viagens desconfortáveis, muitas vezes perigosas, e a horas de engarrafamento. Acrescente-se a isso a ineficiência da fiscalização no transporte público. O resultado dessa equação faz com que circular de ônibus no Rio seja um sofrimento diário, que, não raro, como aconteceu na terça-feira, termina em tragédia. Sete pessoas morreram e 11 ficaram feridas — duas em estado gravíssimo — na queda de um coletivo da linha 328 (Bananal-Castelo) do alto do Viaduto Brigadeiro Trompowski, na pista lateral da Avenida Brasil, no acesso da Ilha do Governador para a via expressa, por volta das 16h30m. Segundo testemunhas ouvidas pela polícia, o motorista, que trafegava em alta velocidade, discutia com um passageiro pouco antes da queda. O motivo seria o fato de ele não ter conseguido desembarcar no ponto desejado. Ele teria pulado a roleta para cobrar explicações do motorista. Outro passageiro, que se identificou como Wellington da Silva Ferreira, contou que, com medo da discussão, preferiu descer um ponto antes de seu destino e, em seguida, ouviu o barulho da queda.
O ônibus que despencou do viaduto estava com o licenciamento de vistoria do Detran vencido — o último aconteceu em 2011. Não bastasse, o veículo (placa KYI 0973) acumula uma longa lista de infrações: recebeu, desde 2008, 46 multas, que somam R$ 4.443,59. Doze dessas penalidades foram relativas a avanço de sinal. E outras 14 por excesso de velocidade. Pelo menos cinco dos registros são relativos a “não indicação do condutor” por parte da empresa. Há ainda multas por parar em desacordo com as posições estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro, desobedecer às ordens de autoridades competentes e parar nas pistas de rolamento das vias de transporte rápido.
Não fosse o final trágico, o acidente seria apenas mais um nas estatísticas do Corpo de Bombeiros: nos últimos quatro anos, a média foi de quase dois acidentes com vítimas por semana envolvendo ônibus. Em 2011, houve o registro de 126 casos; e em 2012, 84. No ano passado, a ouvidoria da Secretaria municipal de Transportes recebeu 28.294 reclamações sobre ônibus. Entre as queixas mais frequentes estão falta de urbanidade por parte do motorista e comprometimento à integridade dos passageiros. Especialistas já apontaram o estresse dos motoristas como uma causa frequente de acidentes. No caso do veículo de ontem, o motorista também exercia a função de cobrador.
Impacto uniu teto do ônibus aos assentos
O ônibus despencou de cerca de dez metros de altura. Ao cair, destruiu o frágil gradil de ferro que servia de mureta para o viaduto. Após a queda, o coletivo bateu no chão, ficando com as rodas para cima. A força do impacto fez com que o teto se unisse aos assentos.
Os feridos foram levados para os hospitais de Bonsucesso, Souza Aguiar, Saracuruna e Getúlio Vargas. Três helicópteros ajudaram no resgate das vítimas. Pelo menos dois homens levados para o Miguel Couto sofreram politraumatismo e são considerados pacientes em estado grave. Uma adolescente de 17 anos, que estava no ônibus, quebrou a clavícula e teve traumatismo craniano leve.
No início da noite, os sete mortos já haviam sido identificados, de acordo com os bombeiros: Luiz Antônio do Amaral, de 41 anos; Marcius Flávio do Nascimento, de 36 anos; Oséias da Silva Cardoso, de 39 anos; Ângela Maria Reis da Silva, de 62 anos; Francisco Batista da Souza, de 40 anos; e José Adaílton de Jesus, de 41 anos; e Luciana Chagas da Silva, de 26.
À noite, a garçonete Jaqueline de Souza esteve no Hospital de Bonsucesso em busca de notícias do namorado, que, segundo ela, era o motorista do ônibus, André Luís Souza Oliveira, de 32 anos. Nervosa, não o encontrou e disse que pretendia percorrer outros hospitais. Jaqueline acrescentou que André trabalha na empresa há três anos e que não costuma fazer mais do que duas horas extras por dia.
Motoristas enfrentam engarrafamentos
Bombeiros dos quartéis de Ramos, Benfica, Penha, Méier, Ilha do Fundão e do Grupamento de Busca e Salvamento foram acionados, e a Avenida Brasil chegou a ficar totalmente interditada nos dois sentidos, por três horas, para o pouso dos helicópteros. As faixas da via foram liberadas no início da noite. O engarrafamento se estendeu até Bonsucesso (sentido Zona Oeste), com reflexos nas Linhas Amarela e Vermelha, Ponte Rio-Niterói e avenidas Perimetral, Francisco Bicalho, Rodrigues Alves e Radial Oeste. Para ordenar o tráfego na região, a CET-Rio mobilizou 48 operadores de trânsito e reforçou o efetivo na Linha Vermelha e na Rua 24 de Maio. Mensagens informando sobre a interdição foram divulgadas em 18 painéis pela cidade.
— Foi a cena mais horrível que vi na minha vida — disse a dona de casa Regina Martins Neto, que chegou ao local do acidente segundos após a queda do ônibus. — Vi o desespero das pessoas, e muita gente tentando ajudar. Vi uma mulher com o maxilar torcido e uma garotinha suspirando. Foi uma cena que jamais vou esquecer. Olhei para o lado, e vi outras mães com seus filhos chorando também.
Regina, moradora da comunidade do Chaparral, situada em frente ao local do acidente, acusou a empresa de transportes Paranapuan de negligência pelo fato de aquele ônibus não ter cobrador:
— Eles ficam estressados, porque fazem dois papéis. Precisam ter atenção no trânsito e na contagem do troco.
A costureira Adriana Cabral, outra moradora da região, contou ter visto o ônibus freando e derrubando a grade:
— Ele chegou a ficar pendurado. Balançou para dentro da pista, mas aí caiu. Eu estava com meus dois filhos. Minha reação foi gritar.
Sem se identificar, a mãe de Wellington Ferreira — passageiro que teria saído do ônibus pouco antes do acidente — confirmou que ele viu uma discussão entre um passageiro e o motorista, que teria sido por causa de troco.
A Fetranspor divulgou uma nota na qual dizia “lamentar profundamente o acidente com um ônibus” e que se solidarizava com as famílias das vítimas. “As informações disponíveis até o momento dão conta de que o motorista era antigo na casa e sem retrospecto de acidentes. O ônibus estava em dia com suas vistorias, tinha seis anos de uso e era dotado de tacógrafo, GPS e câmeras. Os dados dos equipamentos serão cedidos à polícia, pois somente a perícia poderá determinar as causas do acidente”, concluiu a nota.
No IML familiares lamentam as mortes
Na madrugada desta quarta-feira, no Instituto Médico Legal (IML), familiares relatavam as histórias das vítimas. Morando há menos de um mês na Taquara, Jacarepaguá, na Zona Oeste, o carpinteiro Francisco Batista de Souza, 40 anos, estava passando por um período de contratação para trabalhar em uma empresa nas obras da Transcarioca. Natural de Juazeiro, no Ceará. Francisco deixou a esposa e um filho de 4 anos na sua cidade para tentar a vida no Rio. Segundo a prima da vítima, a autônoma Livaneide Antunes, 40, ele teria ido à Ilha do Governador pela manhã para abrir uma conta bancária para o novo emprego. Porém, por causa de um problema na sua documentação, Francisco teve que retornar ao cartório mais próximo de sua casa e, só à tarde, pôde dar sequência ao processo de abertura da conta bancária. Quando retornava, houve o acidente. O corpo de Francisco será levado para Juazeiro.
— Fico muito triste, pois meu primo sempre foi uma boa pessoa. Um amigo de verdade. Ele sempre vinha trabalhar no Rio e mandava dinheiro para a sua família no Ceará. Há alguns meses, ele retornou a sua cidade para passar por uma cirurgia. No mês passado, voltou para o Rio em busca de um novo emprego. E então aconteceu essa tragédia — disse Livaneide.
A família do gerente comercial Luiz Antônio do Amaral, 41, foi avisada por volta das 23h. Segundo a filha da vítima, Carolina Soares, 18, policiais da 21ª DP (Bonsucesso) ligaram para o trabalho do seu pai informando que havia acontecido um problema com ele. Informada, a jovem, acompanhada de amigos, compareceu à DP e ficou sabendo da morte de Luiz, que tinha mais duas filhas, de 2 e 7 anos. A vítima morava em Éden, São João de Meriti.
— Ligaram para o patrão do meu pai. Ele que entrou em contato comigo. Se não fosse assim, não sei como ficaria sabendo. Acho que a empresa de ônibus deveria dar uma atenção maior aos familiares das vítimas — relatou a jovem.
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Fonte: O Globo
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Jornal Globo News
Fonte: Jornal Globo News
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