(IstoÉ) Em 2014, o Brasil disputou duas Copas do Mundo. A dos gramados, encerrada no domingo 13, será lembrada pela acachapante derrota por 7 x 1 contra a Alemanha, na terça-feira 8. A travada fora das arenas bilionárias, porém, permite ao País levantar uma taça. Empresas dos mais diferentes setores têm motivos para considerar 2014 um ano campeão, diante do legado que o maior evento esportivo do planeta deixará. Há beneficiários óbvios, como as empresas de turismo e de transporte aéreo, e outros nem tanto, como as de pagamentos eletrônicos e de telefonia.
Mas o fato é que a constatação contraria todas as expectativas catastróficas. Às vésperas da vitória brasileira por 3 x 1 sobre a Croácia, em 12 de junho, as previsões eram de um passeio no gramado e de um vexame ao redor dos estádios, que não estariam prontos para sediar os jogos conforme manda o chamado padrão Fifa, sem transporte suficiente e organizado para conduzir os torcedores (sem falar, é claro do caos inevitável nos aeroportos e nas comunicações).
Pois o que se viu foi totalmente o oposto: nas quatro semanas e meia seguintes, as 60 partidas foram realizadas sem traumas, catástrofes ou apagões nas 12 cidades-sede, com milhares de pessoas se deslocando de uma para outra e acompanhando a seleção de seu país. Diante do que certa crítica chamou de “novo milagre brasileiro”, até o sorumbático presidente da Fifa, Joseph Blatter, teve de deixar de lado suas críticas à organização e aos atrasos. “Tudo está ótimo, os estádios estão magníficos, indiscutivelmente é um sucesso”, disse ele no início de julho.
O impacto econômico do evento é inquestionável. Um estudo da Fipe/USP, indica que a Copa movimentou R$ 30 bilhões. “É o triplo gerado pela Copa das Confederações”, diz o economista Wilson Rabahy, responsável pelo estudo. A parte mais relevante, 88% do valor gerado, veio dos investimentos em infraestrutura, que envolveram R$ 25 bilhões. O mercado de trabalho também se beneficiou. “Considerando a contratação de temporários e as horas extras pagas, foi gerado o equivalente a 900 mil empregos durante a Copa”, diz Rabahy.
Para atender aos compromissos assumidos com a Fifa, de Blatter, para organizar a 20ª Copa do Mundo de Futebol, o governo federal, Estados e municípios investiram R$ 27,4 bilhões em estádios, aeroportos, telecomunicações e mobilidade urbana, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Campeões em críticas, os estádios custaram R$ 8 bilhões. Alguns, como os de Manaus, Natal e Cuiabá, não são economicamente viáveis, e mesmo os outros vão demorar para se pagar.
No entanto, a maior parte do dinheiro, R$ 12 bilhões, foi destinada à construção de corredores de ônibus, novos acessos a aeroportos e ampliação de vias. Essas obras imprescindíveis de mobilidade vão melhorar a infraestrutura e reduzir o custo de locomoção e transporte de cargas. E o que é importante: ficarão aqui, como um patrimônio permanente para os brasileiros. O maior avanço ocorreu nos aeroportos, que receberam R$ 7,3 bilhões. Os de Brasília, Guarulhos e Campinas, os maiores do País, foram privatizados. Inegavelmente, os terminais estão mais amplos e modernos.
Brasília, por exemplo, recebeu R$ 1,2 bilhão. Sua capacidade aumentou de 16 milhões para 25 milhões de passageiros por ano, e a necessidade de embarques remotos e esperas por bagagens diminuiu. A pontualidade também melhorou e superou o padrão internacional, na primeira semana de Copa. O índice médio de atraso de voos foi de 8,36%, pouco mais da metade dos 15% aceitos ao redor do mundo. Problemas como o dos torcedores que perderam a partida da Bélgica contra a Argélia, em Belo Horizonte, no dia 17 de junho, foram pontuais. As empresas aéreas pretendem aproveitar esse vento de cauda.
É o caso da American Airlines, que opera cerca de 100 voos semanais em nove cidades. Sua operação brasileira é a maior fora dos Estados Unidos, mas a companhia quer mais. A modernização da infraestrutura vai colocar Campinas e Natal em sua rota ainda neste ano, e a migração para o novo terminal de Guarulhos aumentará a frequência dos voos para São Paulo, o maior mercado do País. “A Copa foi boa para o turismo em geral, pois muita gente redescobriu o Brasil”, afirma Dilson Verçosa Jr., principal executivo da American Airlines no País.
O céu de brigadeiro entusiasma também as empresas domésticas. “A Copa foi um grande catalisador para que isso acontecesse”, afirma Claudia Sender, presidente da TAM. “Quanto mais numerosos e melhores forem os aeroportos, maior será a demanda.” No caso da aviação executiva, os legados foram a segurança e a organização. “O trabalho feito por órgãos como Anac e Infraero deu muito certo”, diz Júnia Hermont Corrêa, superintendente da Líder Aviação. Em aviões executivos ou em voos de carreira, passageiros não devem faltar, pois o Brasil sai do Mundial melhor do que entrou.
A vinda de pelo menos 600 mil turistas estrangeiros representou 8% do valor agregado com a Copa. Pelas pesquisas, quem veio gostou do que viu e deve voltar. Em Salvador, 94% dos turistas entrevistados disseram pretender visitar a cidade novamente. Em Recife, 88% recomendariam a cidade como destino turístico. “Todas as pesquisas indicam que a aprovação dos brasileiros e dos estrangeiros é ótima”, diz Vinicius Lages, ministro do Turismo. “Os críticos disseram que nossas projeções eram otimistas demais, e elas foram superadas.”
A cidade de São Paulo, por exemplo, esperava um ganho de R$ 700 milhões no setor de turismo, mas, na semana passada, já contabilizava mais de R$ 1 bilhão. Para aproveitar o bom momento, Lages está se reunindo com empresários da área. Tendo aberto 48 mil empregos diretos, o turismo foi o setor mais beneficiado com a Copa. Na avaliação de Chieko Aoki, presidente da rede de hotéis Blue Tree, esse crescimento vai além dos simples indicadores financeiros. “Conseguimos não só trazer os turistas para o País, mas conquistá-los”, diz.
Um estudo divulgado pela Mastercard reforça a previsão de Chieko. Segundo o trabalho, a capital paulista deverá transformar-se no principal destino turístico na América Latina, em 2017, ultrapassando Buenos Aires e a Cidade do México. Estádios e aeroportos são muito visíveis, mas um dos legados mais importantes da Copa cabe no bolso: o avanço dos pagamentos eletrônicos, especialmente os cartões pré-pagos. Os 72,7 milhões de plásticos em circulação devem movimentar R$ 100 bilhões em 2014, um crescimento de 20% em relação a 2013.
Os pré-pagos não ganharam espaço apenas nas ruas, mas também estiveram presentes nos estádios, onde puderam ser usados pela primeira vez para comprar alimentos e bebidas. “Frequento os estádios há anos e nunca pude fazer compras com meios eletrônicos de pagamento, seja pré-pago, débito ou crédito”, diz Percival Jatobá, vice-presidente de Produtos da Visa do Brasil. Em parceria com o Itaú, a empresa instalou 26 quiosques para criar cartões personalizados durante os jogos. “Esse é um legado que vai ficar para o Brasil”, diz ele.
AVANÇOS TECNOLÓGICOS Outro benefício essencial são os avanços tecnológicos. A Copa 2014 foi a mais conectada da história. Apenas no jogo Brasil e Alemanha foram enviadas 35,6 milhões de mensagens no Twitter, um recorde absoluto em qualquer esporte. Nos jogos das quartas de final, o público postou 11 mil fotos por minuto durante a partida. Mesmo com esse tráfego intenso, a hipótese de um apagão de dados que impediria o envio de imagens pelos celulares e prejudicaria até as transmissões para outros países não se confirmou, como tantas outras.
Os episódios de lentidão foram localizados e admissíveis num evento de tamanha envergadura. A Copa também serviu para testar duas tecnologias que vieram, aparentemente, para ficar. A primeira é o sistema de geração e transmissão de imagens 4K, que quadruplica a definição das transmissões atuais em HD, testado pela japonesa Sony durante o evento. A Fifa autorizou a captação de imagens em 4K de três jogos, incluindo a final, e elas foram exibidas aos assinantes da operadora de TV paga NET que tivessem um televisor compatível e um decodificador.
“A tecnologia 4K não tem volta”, diz Sergio Buch, gerente da categoria de televisores da Sony. “Ela já se tornou o novo padrão de resolução de imagens.” O desafio agora é aumentar a oferta de conteúdo, e a corrida está mais disputada na internet. Netflix, Amazon e YouTube anunciaram planos para produzir programas com essa tecnologia. Mas, para ter uma imagem de boa qualidade, o usuário precisa de uma banda larga de, pelo menos, 15 Mbps. A velocidade média no Brasil é de apenas 2,4 Mbps. A segunda tecnologia que entrou em campo é a banda larga móvel de quarta geração 4G, cuja velocidade é até dez vezes maior que a atual, 3G.
As operadoras oferecem o serviço há um ano em algumas capitais, para 2,8 milhões de usuários. Para a Oi, responsável oficial pela estrutura das redes nos estádios, o Mundial foi estratégico para fortalecer sua posição. “Vamos adaptar algumas soluções desenvolvidas para o evento para oferecer aos consumidores”, diz José Claudio Moreira Gonçalves, diretor de operações da Oi. Como em todo torneio, houve alguns gols contra. Devido aos diversos feriados nos dias dos jogos, setores que não estão ligados diretamente à Copa registraram quedas no faturamento.
Mas isso já era previsível. “Em todas as Copas do Mundo as vendas no comércio caem, porque as pessoas ficam mais em casa”, diz o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, da Confederação Nacional do Comércio. Na indústria automotiva, as vendas de junho caíram 10,2% em relação a maio. No entanto, as montadoras que atrelaram suas marcas ao evento estavam investindo no futuro e pretendem colher os frutos a partir de agora. É o caso da Kia Motors.
As vendas do primeiro semestre caíram 23,1%, mas José Luiz Gandini, presidente da montadora coreana no Brasil, não reclama. “Ao contrário do que ocorreu na Copa das Confederações, as Fan Fests foram um sucesso e deram ótimo retorno para a marca”, diz. A Kia promoveu ações de marketing em cinco cidades-sede, anunciou na TV a cabo e forneceu 500 veículos para a Fifa. “A marca foi bem vista e essa imagem positiva ficou na memória das pessoas”, afirma Gandini.
PLACAR ALEMÃO O pai do empresário Rodrigo Rivellino, Roberto, o genial meio-campista dono da famosa “patada atômica”, representou a Seleção Brasileira em três Copas do Mundo, e sagrou-se campeão mundial na de 1970, realizada no México, ao lado do rei Pelé. Já seu filho atuou na Copa de 2014, fora dos gramados. Ele é sócio da agência Aktuellmix, uma das maiores empresas de marketing presencial do País, responsável pela criação do slogan que marcou presença em todos os pontos oficiais do torneio de 2014: “Juntos num só ritmo”.
Sua empresa organizou o sorteio dos grupos para a Copa do Mundo e conduziu estratégias promocionais de marcas como Coca-Cola, Oi e Johnson & Johnson, três das principais patrocinadoras da Copa. “Lidar pessoalmente com um infraestrutura jamais montada para eventos esportivos no Brasil foi um grande aprendizado, e que vai ficar para todo o mercado que trabalha com marketing esportivo no Brasil”, diz Rodrigo. Em um prazo mais longo, o grande legado da Copa para os negócios é a projeção da imagem do Brasil lá fora, em que o País ganhou com um placar alemão.
Sem exagero ou ufanismo, trata-se mesmo de uma goleada. Uma pesquisa feita pelo portal UOL com 117 profissionais de imprensa apontou que o Mundial deste ano foi considerado o melhor por 38,5% dos entrevistados, superando até mesmo a Copa na Alemanha, em 2006. Alguns parceiros comerciais do Brasil vieram conferir isso in loco. Uma das patrocinadoras do evento, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos trouxe 2,3 mil empresários de 104 países, na expectativa de alcançar cerca de US$ 6 bilhões em negócios.
Trabalhando em silêncio, a Forno de Minas patrocinou a vinda de compradores americanos para assistir à partida entre o Brasil e o Chile, em Belo Horizonte, terra do pão de queijo, e fechou um acordo para distribuir seus produtos na Califórnia. A onda de bons negócios beneficiou também as micro e pequenas empresas. Uma delas, é vinícola gaúcha Lídio Carraro. A empresa foi escolhida pela Fifa para produzir o vinho oficial da Copa. O título tem rendido bons dividendos. “O nível de conhecimento da marca aumentou bastante”, diz Patrícia Carraro, diretora de marketing da Lídio Carraro.
As exportações cresceram para 90% no primeiro semestre e atingiram mercados inesperados, como o francês. “Este foi nosso gol de placa”, afirma. Segundo o Sebrae, cerca de 43 mil pequenos negócios lucraram R$ 500 milhões com o megaevento. A informação surpreendeu até presidente, Luiz Barreto. “Achávamos que o balanço não seria dessa magnitude”, diz. Um bom exemplo é a paulistana iCode Brasil, do comunicador social Rodrigo Parisi. Ao lado do sócio argentino Matias Tino, Parisi criou uma plataforma que traduz cardápios para qualquer idioma.
“Fechei meu primeiro contrato em janeiro, alertando o restaurante sobre a quantidade de estrangeiros que teriam dificuldade de se entender com os garçons na Copa”, diz. Mais de 200 estabelecimentos utilizam essa tecnologia, como o Espaço Itaú de Cinema e a Cervejaria Devassa. Os jogos chamaram a atenção do mundo todo. Só o Facebook registrou o recorde de mais de um bilhão de comentários sobre o tema. Uma exposição que, se bem aproveitada, pode gerar frutos às empresas brasileiras. “Há uma forte correlação entre a imagem de um país e o número de turistas e investidores estrangeiros”, afirma Simon Anholt, especialista em marketing de nações.
Em termos quantitativos, no entanto, essa exposição pode ser medida imediatamente pelo Google. Ao longo da Copa, foram mais de dois bilhões de pesquisas so-bre o assunto e mais de 60 doodles, os desenhos da página inicial do buscador, relativos ao Mundial. Para o ministro do Turismo, Vinícius Lages, a divulgação do Brasil trará grandes benefícios, que só serão percebidos ao longo do tempo. “Consolidar a imagem do Brasil lá fora como destino e como um país viável não tem preço”, afirma Lages.
Colaboraram: Carlos Valim, Fabrício Bernardes, João Varella, Natália Flach, Rodrigo Caetano e Rosenildo Ferreira
Fonte:Poços 10
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